Honda ADV350 Tour & Fun Challenge. The Silent Route

O desafio tinha tanto de provocador como de entusiasmante. Viajar até Alcañiz, com a Honda ADV350, para assistir ao Grande Prémio de Aragon prova do Mundial de MotoGP. Pelo caminho, algumas das mais deliciosas estradas das províncias de Zaragoça, Teruel, Castellon, Tarragona e Barcelona. Incluindo a famosa The Silent Route. Simplesmente espantosa!

  • Texto: Paulo Ribeiro
  • Fotos: Lluis Llurba e P.R.

Há estradas e estradas. As que servem de ligação e as que despertam paixão. Àquelas que vão do ponto A ao ponto B, o mais rapidamente possível, contrapõe-se as que pedem tempo para apreciar. Paragens de contemplação que ajudam a recuperar o fôlego exigido por quilómetros de curvas. Sempre com paisagens de cortar a respiração. Assim não é fácil recuperar!…

É o caso da The Silent Route (é assim que os espanhóis fazem questão de a apresentar ao Mundo…), que a Honda escolheu como ponto fulcral da viagem de Zaragoza ao paradisíaco hotel La Torre del Visco, entre Fontespalda e Valderrobres. Périplo que começou na capital da província e da Comunidade Autónoma de Aragón, 5.ª maior cidade de Espanha. Localizada num grande vale e estruturada em redor de três rios (Ebro, Huerva e Gállego), tornou-se importante centro logístico e de comunicações. Contributo para uma vivência quotidiana bem agitada de gentes que não esquecem a História.

Da presença romana que valeu a origem do nome, Cesaraugusta em honra ao Imperador César Augusto, adaptado pelos árabes a Saracusta (Taifa ou Reino de Zaragosa) até à resistência contra o exército napoleónico, durante a Guerra da Independência. Daí partimos bem cedo, rumo a aventura de absoluta independência…

Silêncio de tanto espanto

Com uma variedade arquitetónica que reflete mais de 2000 anos de história, Zaragoza tem no epicentro a imponente basílica barroca de Nossa Senhora do Pilar. Mas não faltam referências aos estilos mudéjar, islâmico ou mourisco numa cidade que pede uma visita bem mais tranquila. Fica para outra oportunidade que agora o rumo é para sul. Para Belchite, pela A 222, palco de uma das mais simbólicas batalhas da Guerra Civil Espanhola.

Foi em finais de agosto de 1937, quando os republicanos tentaram ganhar terreno rumo a Zaragoza, mas os nacionalistas, menos e mal equipados, limitaram as perdas. Mas a aldeia foi completamente destruída! Em vez da reconstrução, o ditador Francisco Franco mandou criar uma nova cidade, Belchite nueva, mas manteve intactas as ruínas do Pueblo Viejo de Belchite como uma memória da guerra civil.

Seguindo a A 222, primeiro, e a A 223, depois, chegamos a Andorra logo após a travessia de Albalate del Arzobispo, onde se destaca o monumental castelo. Que terá começado por ser uma defesa muçulmana antes de converter-se numa joia do gótico aragonês.

Andorra, a aldeia e não o principado, onde está patente a autêntica revolução gerada pela descoberta da existência de lenhite, em 1914. A relevância deste tipo de carvão alterou a economia da região, reduzindo a importância do sector agrícola (cereais, olival e pecuária) e fomentando a construção de uma ligação de caminho de ferro, em 1953. Bem visível é a chaminé da central térmica construída em 1981 e cuja altura atinge os 343 metros de altura, sendo a 3.ª estrutura mais alta de Espanha. Os três grupos de geração deixaram de funcionar em 2020 devido ao impacto ambiental na região, sendo considerada das mais poluentes da Europa na sua categoria, e a central está em fase de desmantelamento.

O princípio do deslumbramento

Factos históricos que nos deixam de sobreaviso para a importância da preservação ambiental, antecipando a entrada na Serra de Arcos. Ejulve, logo a seguir a Alcorisa pela N 211, marca o início estrada da A 1702. Afinal, uma porta de acesso à histórica região de Maestrazgo e ponto de partida (ou final) da The Silent Route. Apesar de ser uma pequena aldeia, possui rico património arquitetónico. Sobretudo dos séculos XVI e XVII, sendo local de eleição para uma paragem antes do deslumbramento que se avizinha

La Ruta del Silencio percorre, ao longo de 63 quilómetros, alguns dos locais mais marcantes da região. Como a formação rochosa conhecida como Órgãos de Montoro, a Cueva del Recuenco, a Serra de Majalinos, as Masías de Ejulve ou o desfiladeiro da Caleja del Huergo.

“A estrada corre como uma ruga antiga através da pele de uma terra marcada pelo silêncio e mistério, que, à primeira vista, parece um território   áspero e acidentado. Mas logo se mostra ao visitante como um Éden cativante. Quintas isoladas, caminhos estreitos abertos na pedra, rios frágeis e órfãos. Montanhas que sobem até tocar o céu, pomares que envolvem os cursos de água e despenhadeiros, aldeias que sobem como um manto pelas encostas. Ou que olham vertiginosamente para o precipício, palácios, torres, ermidas e moinhos…  Uma paisagem de equilíbrio entre a natureza e a história num ambiente pouco transformado pela mão humana”.

Indomável beleza

Uma jornada de indomável e sedutora beleza ao longo de uma estrada cuja característica identitária é a paisagem e o silêncio. Um silêncio que   sussurra histórias antigas e sugestivas, tecidas pelos viajantes ao longo dos séculos. Entre a história e a lenda, o real e o utópico, o percurso ao longo desta estrada conta-nos histórias sobre as guerras carlistas, a primeira fábrica de papel em Espanha ou a Caimão, a linha de autocarro que há décadas liga Ejulve a Cantavieja.

Cumprimos os primeiros quilómetros e, logo depois da travessia do rio Guadalope, a 800 metros de altitude, começa a subida até aos 1183 m da Peña de Los Órganos. Estrutura rochosa que foi declarada monumento natural em outubro de 2010, tornando-se um dos cinco existentes em toda a comunidade.

Colunas de rochas calcárias de grandes dimensões, formadas por estratos do período Cretáceo Superior, dispostas em unidades verticais, e transformadas ao longo de milénios por um processo de carstificação. Processo que resulta da dissolução química gerado pela combinação da água da chuva ou de rios superficiais com o dióxido de carbono proveniente da atmosfera ou do solo, oriundo de raízes da vegetação e matéria orgânica em decomposição. O resultado é uma solução de ácido carbónico que foi gerando o relevo geológico patente nos Órgãos de Montoro.

Como vigilantes atentos

Seguindo na estrada ladeada pelas serras de Ejulve e de La Cañada, encontramos pequenas aldeias, castelos ou ermidas alcandoradas em pontos estratégicos, propícios à vigilância e defesa em tempos atribulados. Villarluengo é um desses ‘pueblos’, aninhado em cima de um esporão rochoso mesmo na borda de intimidatória ravina. Com uma história que começou a ser forjada na época da Reconquista, quando estas terras eram uma fronteira entre cristãos e muçulmanos, tem como primeiro documento relevante a Carta de Puebla, de 1194. Foi concedida por Afonso II de Aragão à Ordem do Santo Redentor para que, desta forma conseguissem fixar a população nesta terra despovoada. Os Templários consolidaram definitivamente estes territórios, dominando-os durante praticamente um século até à sua dissolução em 1312.

Bem mais tarde, em 1789, a família Temprados juntamente com técnicos e investimentos franceses, instalou aqui a primeira fábrica de papel contínua em Espanha. Unidades fabris mais tarde adaptadas à produção têxtil gerando forte polo empregador. Para as pessoas de Villarluengo e das cidades vizinhas, até ao seu encerramento em 1958. Prosperidade económica que tornou Villarluengo na primeira cidade, depois da capital da província Teruel, a ter eletricidade, água canalizada e ruas pavimentadas.

História de proteção

Tal como as aldeias e vilas, mais ou menos pequenas, surgem a cada passo estruturas de defesa medievais como a Torre Gorgue. Visível desde a A 1702, está localizada na estrada que liga Villarluengo a Tronchón. Torre com planta de piso quadrado de 7,5 metros de lado e 10 metros de altura, que teve funções de vigilância da estrada e dos rios Cañada e Palomita. Localização estratégica e com grande potencial agrícola que ditou construção de habitação e exploração agrícola, entre os séculos XIV e XV.

Mas as surpresas para os sentidos estão longe de terminar e, poucos quilómetros adiante, passamos pelo arrebatador desfiladeiro de Cañada de Benatanduz, a aldeia a maior altitude de toda a região de Maestrazgo (1433 m).

Sucessão de fortes sensações oferecidas ora por paisagens de cortar a respiração, ora por referências históricas que nos levam para tempos de antanho. Como a que emana das paredes centenárias de Cantavieja, capital administrativa da região de Maestrazgo. E que, segundo a lenda, terá sido fundada por Hamilcar Barca, que nomeou o lugar de Cartago Vetus.

Na Idade Média, foi um enclave muçulmano até à conquista cristã, em 1169, por Afonso II de Aragão. O comércio de lã e o gado fizeram com que, durante o Séc. XVIII, Cantavieja prosperasse economicamente, sendo deste século alguns dos principais edifícios mais bem preservados. Como a ermida do Loreto (1700) ou o Hospital de San Roque (1775).

Acaba o silêncio, que não a viagem

Ponto final da The Silent Route, mas apenas ‘ponto e parágrafo’ na viagem da Honda ADV350 Tour & Fun Challenge, palco de eleição para supercompleto teste desta scooter desportiva. Cujo roteiro partilhamos e aconselhamos vivamente, apesar de estar a cerca de 1000 quilómetros das principais cidades portuguesas…

Entretanto, em direção a Funtespalda, tempo para conhecer Mirambel, através da A 226, estrada com muito para descobrir e curvas para todos os gostos. Reconquistada aos árabes por Afonso II em 1169, a história de Mirambel permanece intimamente ligada à das diferentes ordens militares que foram responsáveis pela gestão de grande parte dela do Maestrazgo. 

Logo após, seguindo a mesma A 226, encontramos, do lado direito da estrada, a vistosa ermida de São Marcos, em Olocau del Rey. Templo construído a partir de 1576, quando um personagem misterioso terá surgido ao agricultor Joan Vallés, dizendo ser o próprio apóstolo São Marcos. Condenado a vaguear por estas terras depois de os habitantes não terem cumprido a promessa de construir uma ermida em sua honra depois de os ter livrado da peste alguns anos antes, ‘São Marcos’ lamentou-se tanto que viu então ser construído o templo prometido.

Posteriormente, de forma paulatina, foi crescendo o afluxo de peregrinos numa área que era, à época, ponto de movimentada passagem entre os dois antigos reinos. E que era atravessado pela estrada que outrora ligava Teruel a Morella. A partir da igreja inicial foi sendo criado um conjunto de edifícios que formam um recinto trapezoidal. Incluindo a casa do eremita, a estalagem e os telheiros para os peregrinos e seus cavalos, que acolheram, até meados do século passado, um mercado semanal. E foi aqui que recolhemos a opinião do bi-campeão do Mundo de MotoE, Jordi Torres, sobre a Honda ADV350.

As Mais Belas Aldeias

Morella, considerada, desde 2013, uma das Mais Belas Aldeias de Espanha, é um bom ponto para encerrar em grande esta passeata, junto à N 232, que liga Zaragoza à costa mediterrânica, a meio caminho entre as cidades de Valência e Tarragona. Ponto de ligação entre a Catalunha, Aragão e Valência, Morella testemunhou episódios importantes desde a Pré-história. Do Neolítico à Idade do Bronze, da defesa dos ibéricos às ocupações romana e muçulmana, todos viram neste lugar uma fortaleza inexpugnável.  A forma caprichosa da cidade, o seu castelo e muralhas foram palco da passagem de figuras como Rodrigo Díaz de Vivar, El Cid Campeador, que travou duas batalhas nesta região ao serviço do rei muçulmano de Saragoça no século XI.

Tempo para reviver jornada ímpar

A conquista cristã, em 1231, pelo Rei Jaime I e os tempos medievais transformaram Morella numa cidade de privilégios. Que geraram beleza que valeu honra de ser considerada Património da Humanidade, pela UNESCO, em novembro de 2018. Motivos para tamanha distinção não faltam, desde a impressionante muralha do Séc. XIII, com 1803 metros de comprimento, 6 portas e 10 torres, ao aqueduto gótico, passando pelo convento de Sant Francesc ou a Basílica Arciprestal de Santa Maria Maggiore.

Sendo uma das fortalezas mais imponentes do Mediterrâneo, o castelo de Morella guarda as marcas da passagem de numerosas civilizações, num local habitado ininterruptamente desde o Terceiro Milénio A.C. Vestígios do Neolítico, da Idade do Bronze e do Ferro, numa área que foi também ocupada pelos ibéricos, romanos, visigodos, árabes e, finalmente, cristãos.

Aproveitando a rocha natural, a fortaleza militar deve a sua importância à situação privilegiada e a uma construção que a tornou numa fortaleza inexpugnável e local estratégico da primeira ordem, de onde era possível controlar a passagem natural do interior para o litoral. Local de eleição para uma paragem para absorver tantas horas de descobertas paisagísticas e históricas, algumas patentes no vídeo do teste da Honda ADV350.

Honda ADV350 nos recantos da The Silent Route

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