Álvaro Bautista é já o segundo piloto mais eficaz em termos de participações de todos aqueles que alinham atualmente no Mundial de Superbike. Apenas Jonathan Rea faz melhor, mas com mais do triplo de corridas disputadas e vitórias alcançadas com duas marcas.
Com a Ducati Panigale V4R mais ‘amiga’ do piloto para 2023, o campeão mundial está já a demonstrar que, mesmo que chova, a revalidação do título alcançado no ano passado não é um desejo passageiro.
Contudo, há sempre uma pergunta que nunca deixa de pairar: porque é que Álvaro é o único capaz de vencer de forma consistente com a Panigale V4R? Fique a saber nas linhas que se seguem.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK, Aruba.it Ducati, Cormac GP, Federico Capelli, Fernando Pedrinho
A possibilidade de passar algum tempo com o seu chefe de equipa de há longa data, Giulio Nava, permitiu-me entender o porquê do binómio Álvaro Bautista / Ducati Panigale V4R ser uma força dominadora, desde a sua apoteótica apresentação, na pista australiana de Phillip Island, em 2019.
Nava é bastante reservado e pouco esfusiante em termos de emoções, aparentando um controlo total mesmo quando as coisas dão para o ‘torto’. Ainda assim, o seu humor está presente quando necessário, como quando veio ter comigo trazendo calçadas as luvas do seu piloto.
“Muita gente tende a esquecer a quantidade de pessoas que trabalham na Ducati e estão por detrás do sucesso que temos alcançado”, começou por me dizer Giulio Nava. “O piloto representa mais de 50% do resultado, mas o apoio da fábrica é importantíssimo, pois nela trabalham diariamente para nos fornecer peças, componentes, novas ideias e soluções para os nossos pedidos”.
Nava confirmou que o espanhol esteve sempre muito focado e foi muito fiável ao longo da época de 2022, que o conduziu ao título mundial da categoria, “e isso ajudou-me muito na afinação da moto e a responder às necessidades que me foi apresentando”.
O prazer de pilotar
“Eu vejo que o Álvaro readquiriu o prazer de pilotar uma moto de competição”, disse Giulio. “Quando um piloto não desfruta da pilotagem a obtenção de resultados torna-se mais difícil. Mas quando te divertes, consegues empurrar o limite um pouco mais e vês que és capaz de o fazer e a situação vai sempre melhorando. Estou muito contente, devo confessar-te”.
Nava já trabalha com Bautista desde os tempos da MotoGP na altura do regresso da Aprilia a este campeonato. Mais tarde, ambos voltaram unir esforços com a estreia da Ducati Panigale V4R no Mundial de SBK, em 2019, estreando-se com um sensacional ‘hat trick’ na prova de abertura do campeonato.
E como tem evoluído Bautista como piloto? “Está cada vez melhor”, disse sorrindo. “estive com ele antes de vir ter contigo e disse-lhe: – não sei como o fazes, mas cada ano que passa estás cada vez melhor!”, confidenciou-me com um sorriso de orelha a orelha.
“À medida que vais amadurecendo não queres andar acima do limite. Tens outras coisas na vida e não queres sacrificar a tua vida privada, correr riscos, desnecessários, que este desporto acarreta. Mas como te disse, ele está mais focado, entende melhor os problemas, tem mais conhecimento e controla de melhor forma as situações. Ele pressiona-se a si mesmo, mas de uma forma positiva, para ter mais concentração e treinar melhor, o que o leva a melhorar de forma constante. O que vejo é um melhor piloto num ‘pacote’ mais completo”.
Uma ligação especial
Nava trabalhou com pilotos do calibre de Marc Márquez, Casey Stoner ou Ben Spies. Mas a sua ligação com Álvaro Bautista parece ainda mais especial, contendo algo de mágico pelo meio… “Eu não acho que tenha algo de especial”, disse humildemente.
“Acho é que tenho muita sorte, porque este tipo de pessoas não necessita de qualquer tipo de ajuda. Como enumeraste, Álvaro, Casey, Marc, Hayden ou Spies todos têm velocidade e sabem como fazer acontecer. Tu apenas necessitas de manter a situação sob controle e não criar demasiada confusão ou cometer erros, para que eles possam fazer a sua magia”.
“Começámos a trabalhar juntos em 2015, na Aprilia, mas não foi fácil pois era o primeiro ano do regresso da marca ao MotoGP e a maior parte das pessoas que tinham estado com a marca em 2003 [no projeto RS Cube] já haviam ido embora. Começámos do zero e a equipa fez um bom trabalho, porque no ano seguinte já dispúnhamos de um verdadeiro protótipo, mas estávamos a tentar alcançar o nível de marcas e equipas que andavam lá há bastantes anos.
Pusemos muito empenho como engenheiros, mas o Álvaro também se esforçou imenso, e alcançámos alguns resultados interessantes, sobretudo na segunda metade do ano [nas últimas sete corridas, Bautista pontuou em todas e só falhou o ‘top ten’ por uma vez]. É nestas circunstâncias em que nada chega de graça e tens de lutar por tudo, que se forjam as ligações fortes”.
“Quanto tudo é fácil, o piloto não tem de se concentrar tanto, nem costuma ficar na box até tarde para explicar ao engenheiro o que sente na moto, para que este possa entender os passos a dar para resolver o problema, o que pode incluir a produção de um novo componente ou peça especial. Na Aprilia tínhamos de puxar um pelo outro até ao limite, confiar mutuamente e crescer juntos. É óbvio que, como seres humanos, há pessoas com quem nos damos melhor e ligamos com maior facilidade”.
Pilotar a Panigale como uma ‘dois e meio’… e uma 800 de MotoGP!
Contudo, como explicar que seja Álvaro Bautista o único a pilotar a Panigale V4R de forma consistentemente vitoriosa? Muitos o tentaram, como Chaz Davies, Scott Redding, Michael Ruben Rinaldi ou Joshua Brookes, e no entanto…
Ben Spies dizia num ‘Tweet’ que Bautista consegue levantar a moto e acelerar como mais ninguém, e que isso não tem nada a ver com o seu peso ou estatura. “Tenho de ligar ao Ben”, ripostou com uma risada.
“Mas acho que sei do que falas. Para mim é uma combinação de diversos fatores. Primeiro, o tipo de moto e a suas características: inércia do motor, distribuição de massas, dimensões e muitas outras. Depois vêm os pneus e a forma como tiras partido deles nas diversas situações de pilotagem. Por fim, o piloto, com a sua experiência e sabedoria de já ter pilotado motos de 125cc, 250cc, MotoGP, com pneus Dunlop, Bridgestone ou Michelin.
Misturando tudo saem os resultados! Ainda assim, a maneira mas simples que posso utilizar para explicar que ele consiga extrair 99% do rendimento da moto advém da forma de ele a pilotar, em muitas áreas, como uma ‘dois e meio’! Ainda assim, ele é muito inteligente e consegue sair das curvas como fazia com as MotoGP de 800cc”.
O exemplo Dani Pedrosa
“Tal como fazia o Dani Pedrosa! Na altura em que estava com o Casey Stoner na Honda, o Dani era o nosso companheiro de box e partilhávamos os dados da telemetria. Sugiro-te que revejas a corrida do Catar, em particular a última curva que dá acesso à reta da meta.
Por um momento verás que o Dani pára a moto e passa de totalmente inclinada para uma posição vertical, acelera a fundo e ganha tração para a reta. Pode até incliná-la um pouco, novamente, para completar a curva, mas o ponto essencial é levantar a moto rapidamente, comprimir a carcaça do pneu traseiro para buscar tração. A partir daí o pneu traseiro não mexe mais, não patina e não ressalta.
Quando estás com a carcaça do pneu comprimida sob a carga de aceleração, se necessitas curvar inclinas a moto um pouco mais. Se fizeres o oposto, em que tentas levantar a moto suavemente e sem acelerar muito, o pneu vai derrapar e a aceleração não vai ser aquela que a moto pode alcançar.
O Álvaro treinou muito esta sequência nos muitos anos em que utilizou pneus Bridgestone, pelo que acho que esta manobra para ele sai mais naturalmente do que para a maior parte dos outros pilotos”.
A estatura e peso assim obrigam
Para o liliputiano Dani Pedrosa, “não havia outra maneira de pilotar”, confirmou Giulio Nava. “Ele era o mestre desta manobra. Pela sua estatura e peso, não o podia fazer de outra forma. Mesmo que ele se chegasse para trás levantando o corpo, não conseguia transferência de massa suficiente para carregar o pneu traseiro.
A estatura diminuta é uma vantagem em reta quando engrenas quinta e sexta velocidades. Mas quando precisas de carregar a traseira, por exemplo, quando chegas ao ponto de travagem e te deslocas para trás para carregar menos o pneu dianteiro, vais perceber que não é possível.
Se eu pesar 100 kg sei que posso fazer a diferença em cima de uma moto, mas se pesar metade… é melhor do que nada, mas não é a mesma coisa”.
Como por exemplo, à chuva. “É verdade e tens razão. Mas olha para as situações de pista seca mas com asfalto muito frio, como em Assen pela manhã. Pilotos como o Álvaro ou Dani têm de ser ultra cuidadosos.
Por muito que eles se esforcem, não têm peso suficiente para carregar os pneus como os pilotos mais pesados. Por isso, ser pequeno e leve dá-te vantagens nalgumas áreas, mas desvantagens noutras.
O nosso trabalho conjunto consiste em maximizar os benefícios e comprometer ao mínimo os pontos fracos”.
Para 2023 a Panigale V4R tem uma entrega de binário e potência que torna a sua pilotagem mais fácil à saída, como de me disseram Michael Ruben Rinaldi e o próprio Álvaro Bautista.
O domínio incontestado do espanhol, na ronda de abertura da edição deste ano vem confirmar que a Panigale V4R está mais ‘amiga’ dos pilotos. Tapete vermelho estendido para o espanhol revalidar o título?