A embraiagem eletrónica da Honda aka E-Clutch chegou para abrir novos horizontes. A estreia aconteceu nas versões 2024 das CB650R e CBR650R mas promete equipar muitos outros modelos. Sendo certo que vai coabitar com as caixas manuais, os ‘quick-shifters’ e, claro está, com o DCT na extensa gama da Honda.
- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Zep Gori e Ciro Meggiollaro
Espécie em vias de extinção, os blocos de quatro cilindros em linha cederam lugar aos mais simples, leves e económicos motor de dois cilindros paralelos. No entanto, há quem resista a esta tendência e continue a oferecer motores que são extremamente equilibrados, praticamente isentos de vibrações e oferecedores de um prazer de condução sem igual. A Honda é a única marca que continua a ter no catálogo quatro-em-linha de cilindrada média e preço acessível. Longe da exclusividade de outras propostas de maior cilindrada – que também as tem com a CBR1000RR-R – as Honda CB650R e CBR650R continuam a marcar pontos. E com a novidade absoluta da embraiagem eletrónica reforçam a candidatura ao título…
Ares de família
Esteticamente bem conseguidas e mecanicamente bem dotadas, as CB650 conquistaram uma posição ímpar no seio da extensa gama Honda. Não estranhando assim que fossem as escolhidas para a estreia de um sistema de transmissão que marca um ponto de viragem no universo motociclístico.
Em termos estilísticos, saliência para os traços retocados, ganhando em sensualidade como em agressividade. E tanto a Honda CB650R como a CBR650R ficaram mais desportivas, com mais vendida entre as Supersport no mercado europeu ainda mais perto da imagem de família. Ganhou novo farol e viu as carenagens revistas, com a parte superior oferecedora de melhor proteção à cabeça e ombros do condutor. Quanto à parte intermédia os novos plásticos reforçam a impressão de força. Já a parte inferior ficou mais estreita e a traseira mais esguia, também aqui com um novo farol.
Quanto à CB650R, que desde 2019 vendeu mais de 41 mil unidades, ficou mais próxima da irmã maior, a CBR1000R. A começar pela partilha do farol em forma de gota e com luz de presença em forma de ferradura. As entradas de ar junto ao depósito garantem maior suavidade na admissão e mais estilo. A traseira está mais elegante e mantém-se o inconfundível toque de classe dado pelas curvilíneas saídas de escape.
Na lista de alterações para 2024 está ainda a sensação de maior força a baixas rotações, conseguida pela mudança no tempo de abertura das válvulas de escape, mas que só conseguimos perceber pelos gráficos. Bem mais percetível é o novo painel TFT de 5 polegadas, com conetividade através da app Road Sync e gerido através de um novo conjunto de comandos que é mais pequeno, simples e muito mais ergonómico face à anterior versão.
Facilidade de série
Novidades que reforçam a facilidade e o prazer de condução conferido por um dos cada vez mais raros motores de quatro cilindros em linha. Que se mantém inalterado, com potência máxima de 95 cavalos às 12 000 rpm e 63 Nm de binário. Força muito bem distribuída ao longo de toda a faixa de rotações, garantindo sempre resposta poderosa aos movimentos do acelerador. A suavidade de funcionamento e o equilíbrio mecânico permitem uma condução serena em todas as condições sendo que, quando surge a vontade de acelerar, o disparo é de uma linearidade sem paralelo noutras configurações motrizes.
Além disso, o bem conhecido e muito copiado bloco motriz tem potência limitada a 70 kW, quando poderia facilmente atingir valores superiores, por opção. É que, desta forma, está no limite legal para poder ser ‘descafeinado’ e criar versão para carta A2. Que, recorde-se, tem de derivar com modelo de potência máxima que não pode exceder o dobro dos 35 kW que ditam o limite da A2. E, desta forma, ganha ainda em termos de fiabilidade.
Mas, se o motor é idêntico para os dois modelos, diferente é a posição de condução. A montagem de avanços na Honda CBR650R coloca o condutor numa posição mais avançada e com os pulsos mais para baixo. Sem que, no entanto, seja prejudicial em termos de cansaço. Tudo é resto é igual à anterior versão, sem alterações no quadro em forma de diamante em tubos de aço ou nas suspensões. Uma forquilha invertida Showa SFF-BP de 41 mm na dianteira e um monoamortecedor com possibilidade de ajuste de pré-carga em 10 posições. Na travagem, dois discos de 310 mm e pinças radiais de 4 pistões da Nissin (240 mm atrás), com ABS, claro, mas sem ‘cornering ABS’. Mas há novidades noutros capítulos…
Conduzir sem pressão alheia
A revolução é enorme. Quase tão grande como a criação da roda. E, no entanto, tão simples. Um verdadeiro Ovo de Colombo que pode alterar por completo o paradigma da condução de motos. Ou não! É tudo uma questão de perspetiva e de utilização da nova E-Clutch. Por um lado, assume os atributos mais desportivos dos sistemas de mudanças rápidas, vulgo ‘quick-shifter’ mas, por outro, liberta a mente dos menos experientes no caos do trânsito urbano.
Literalmente o melhor de dois mundos. Ou, pensando bem, de três. Afinal é mais simples e prático do que uma caixa manual; mais eficaz e versátil do que o ‘quick-shifter’; mais intuitivo e mais leve do que o DCT. Assim é a E-Clutch inovadora embraiagem eletrónica em estreia absoluta nas CB650R e CBR650R de 2024. Um mimo de facilidade e rapidez, de eficácia e simplicidade, de diversão e descontração que testamos em ambiente urbano e nas mais recurvadas estradas nos Alpes Marítimos, bem no sul de França.
Quando o sistema de dupla embraiagem foi lançado em 2010, na Honda VFR1200F e, pouco depois, na Honda NC700X, muitos olharam com desconfiança para o DCT. Algo complexo de entender e, sobretudo, de intuir na condução, levantada dúvidas em termos de fiabilidade sendo o peso acrescido visto como uma desvantagem significativa. Aos poucos, esses receios foram sendo obliterados e, com o passar do tempo e a evolução contínua (adoção dos modos S, maior rapidez, adaptação em curva…), a resistência foi definitivamente quebrada. Ao ponto de, por exemplo, nada menos de 63% das Africa Twin vendidas em 2023 incorporarem este sistema de transmissão.
Futuro com liberdade… de escolha
Mas o futuro não para e, ainda no início da epopeia DCT, cedo começou a Honda a trabalhar em novas soluções. Em 2013 foi criada a equipa encarregue de encontrar a melhor fórmula para libertar o condutor da necessidade de operar a manete de embraiagem. Mas sem roubar a essência do controlo, mantendo a utilização da caixa de velocidades na sua forma mais tradicional: com o pé esquerdo. Uma década de avanços e recuos, com dificuldades acrescidas por força da pandemia que parou o Mundo e de alguma resistência face a tão revolucionária evolução.
Para se perceber a dimensão do feito, sublinhar que o sistema E-Clutch permite fazer tudo o que fazem todas as outras motos juntas! A começar pelo comportamento desportivo ao nível dos mais evoluídos sistemas de passagem rápida de caixa, nos dois sentidos e com ou sem acelerador aberto. Além da inegável vantagem de, em qualquer momento, ser possível assumir o comando absoluto e utilizar a manete de embraiagem.
Por outro lado, junta-lhe a facilidade própria das scooters, permitindo arrancar e parar sem preocupação com o embraiar/desembraiar, reduzindo a fadiga em condução urbana e direcionando toda a atenção exclusivamente para o trânsito envolvente. Mais há mais! O E-Clutch pode ser desligado através dos novos comandos e painel TFT de 5” que equipam as versões 2024 da família CB650 e, em caso de muito improvável avaria do sistema, pode continuar a utilizar a embraiagem manual, de grande eficácia e suavidade.
Novos mecanismos de condução
Na prática e depois de um ligeiro esforço inicial para fugir à tentação de utilizar a manete esquerda, o sistema E-Clutch revelou-se altamente intuitivo. E faz tudo e mais alguma coisa que exigiríamos a uma embraiagem tradicional. O momento de maior tensão, quiçá de medo da reação da própria moto, foi o momento de engatar a 1.ª velocidade sem apertar a manete. A ideia de que a CB650R iria dar um grande salto em frente e fazer perder o controlo levou uma fração de segundo a desaparecer. Um ligeiro clanck, bem menor do que o habitual noutras motos, assinalou o engate da primeira relação da caixa de velocidades, confirmado pelo algarismo ‘1’ surgido no painel de instrumentos.
Quanto ao estado operacional do sistema é assinalado por um ícone do lado direito do painel com um ‘A’ ao lado de desenho que replica os pratos de embraiagem. E assim, só com o controlo do acelerador, arrancamos viagem.
Através das ruas de Marselha, felizmente com pouco trânsito numa manhã de sábado, deu para entender o quão fácil e intuitivo é o funcionamento do E-Clutch e perder os medos que, confesso, ainda persistiam. E deu para descobrir outra coisa. Ao parar num semáforo basta travar, sendo que a caixa fica engatada na velocidade em que paramos, com a respetiva indicação no painel sublinhada pelo piscar em amarelo, aconselhando a redução. Que é feita sem embraiar, apenas pressionando o pedal esquerdo.
À prova de todas as asneiras
Mas a maior surpresa com a E-Clutch surgiu com a tentativa (fortemente desaconselhada dado o desgaste causado no material de fricção…) de arrancar nas velocidades superiores. Pois bem, a renovada Honda CB650R arrancou em 3.ª, 4.ª, 5ª e, pasmem-se, até em 6.ª velocidade e com poucas queixas! Isto é, está afastada a possibilidade de fazer figura de totó e deixar ir a moto abaixo no arranque devido a uma simples distração.
No entanto, para acrescida confiança nas pequenas manobras, pode sempre utilizar-se a manete de embraiagem. Que se sobrepõe imediatamente ao controlo eletrónico, cujo sistema volta a recorrer aos automatismos ao fim de 5 segundos a velocidades mais lentas (1 s. em estrada aberta). Em detalhe: ao fazer uma inversão de marcha, recorrendo à manete para controlar o motor em 1.ª ou 2.ª velocidade, é possível utilizar a embraiagem manual sendo que, logo depois de reacender a luz verde do sistema, a velocidade seguinte entra apenas com o movimento de subida do pé. Sem utilizar a manete esquerda!
Ainda mais interessante foi a experiência nas serranias que protegem as ‘costas’ da cidade de Marselha, que pela frente tem o azul do Mediterrâneo. Estradas repletas de curvas, utilizadas por milhares de ciclistas e motociclistas, sobretudo ao fim-de-semana, que mostraram ser palco de excelência para entender todas as particularidades do E-Clutch. Ao contrário da quase totalidade dos ‘quick-shifter’, pode jogar-se com a caixa independentemente da rotação do motor. E podemos ir de 1.ª a 6.ª sem acelerar, da mesma forma que pode reduzir-se da mais alta à mais baixa das relações sem cortar gás. É claro que o motor solta os seus queixumes, sobretudo nas reduções, mas a eletrónica limita todos os potenciais perigos para a mecânica.
Rapidez de movimentos
Operações permitidas graças aos vários sensores que enviam informação para a unidade de controlo eletrónico (ECU). Que, depois de trabalhar esses dados, remete a resposta à unidade de controlo. Por sua vez e com recurso a dois pequenos motores, várias engrenagens de desmultiplicação e um engenhoso eixo promovem o afastamento ou aproximação dos pratos da embraiagem de forma extremamente rápida. O que ajudou a compreender o porquê de ter achado que este sistema era mais rápido que os ‘quick-shiter’ agora ditos de convencionais. Em cerca de 20%, disseram os engenheiros da Honda.
Em conclusão, o E-Clutch mostrou se um autêntico mimo de facilidade e rapidez, de eficácia e simplicidade, de diversão e descontração. Além disso, perfeitamente adaptado às novas Honda CB650R e 650R cujo equilíbrio e linearidade de funcionamento do bloco de quatro cilindros em linha foi determinante para a escolha na estreia do sistema. Que, garantiu o responsável máximo pelo projeto, Noriyoshi Tsutsui, vai ser naturalmente adaptado e montado em mais modelos. Sobretudo de características mais desportivas, sendo que o DCT continuará integrado nas famílias mais urbanas e turísticas da gama cada vez mais versátil e completa da Honda.
Dessa forma, com um acréscimo de peso de apenas 2 kg e 300 €, reforça a competitividade das Honda CBR650R (9900 € sem E-Clutch) face a concorrentes como Aprilia RS660 ou Kawasaki Ninja 650. Bem como da Honda CB650R (9100 €), disponível em novos tons de verde e cinzento além dos conhecidos preto e vermelho.