Texto: Fernando Pedrinho Martins
Imagens: WorldSBK & Václav Duska Jr.
Testando praticamente sozinha, a Kawasaki Racing Team passou pelo AIA de Portimão no início de Março, junto com a companheira de marca, Orelac NaturVerde, da família Calero. Os mais atentos repararam numa pequena modificação na traseira da ZX-10RR Ninja que surgiu com um formato mais elaborado, onde se destacam a presença de pequenas aletas.
É inegável que a ZX-10RR oficial não é a mais rápida em linha reta da grelha de ‘Superbike’, perdendo neste capítulo para a Ducati e Honda e ombreando com a Yamaha. Por outro lado, o modelo de 2021 destaca-se pelo formato mais esculpido e com arestas e planos bem definidos, substituindo linhas mais fluidas e arredondadas que dominaram nos últimos anos. Mas com a ‘MotoGP’ a ditar a moda no capítulo aerodinâmico, as asas não tardaram a chegar às motos de rua, primeiro com a Ducati Panigale V4R e depois com a BMW M1000RR. A Kawasaki trabalhou de uma maneira diferente, como se pode ver, optando antes por uma forma mais complexa da frente, em lugar de simplesmente colocar perfis alares fixos na carenagem.
Até aqui as carenagens das motos desportivas destinavam-se a dar proteção ao piloto e a melhorar o coeficiente de penetração, para além de garantirem uma admissão limpa de ar para os sistemas de pressurização da alimentação do motor e gerirem da forma menos turbulenta possível a passagem de ar pelos radiadores do sistema de arrefecimento.
Mas com o aumento da potência dos motores e capacidade de aceleração, a estabilidade tornou-se numa variável cada vez mais importante em motos cuja eficácia não pára de crescer e andam cada vez mais depressa, batendo recordes de tempo por volta de ano para ano. Claramente, estamos perante um caso em que a forma serve a função!
“Na moto deste ano podes ver que as asas estão incorporadas no formato da carenagem”, dizia-me ao telefone Pere Riba, o diretor técnico da moto de Jonathan Rea e um dos grandes responsáveis pelo domínio que a Kawasaki tem vindo a exercer no Mundial de Superbike desde há alguns anos a esta parte, com a equipa a garantir sete títulos mundiais com o piloto norte-irlandês e Tom Sykes. “A Kawasaki optou por uma direção mais discreta, tal como a Honda fez com a CBR1000RR-R, e por oposição às asas mais agressivas que montam a Ducati e a BMW”. Sim, isso já sabíamos e tanto ‘Johnny’ Rea como Alex Lowes confirmaram no teste de Novembro, no gélido circuito de Motorland Aragão, em Espanha, cujas curvas de alta velocidade (sobretudo a última) e a longa reta são o teste ideal para qualquer desenho aerodinâmico. Ambos confirmaram que a moto não tem tendência a levantar a frente sob o efeito de aceleração e mantém a frente ‘plantada’ nas curvas de alta velocidade. “Ao ‘apelarmos’ às forças verticais descendentes ajudamos a moto a diminuir a tendência de sair em cavalinho e tornamo-la mais estável na dianteira, em que a roda ‘pisa’ de forma mais decisiva. O efeito desta ‘down force’ é considerável e isso é visível na MotoGP, onde o regulamento técnico dá bastante mais liberdade”.
Asinhas por detrás
A ZX-10RR não é anjo nenhum, pelo que a presença das pequenas aletas na traseira da unidade ensaiada em Portimão não deixou de captar a atenção. “Aqui a conversa é outra”, disse-me o catalão sorrindo. “O piloto não tem qualquer sensação adicional com a presença destas aletas e o que se pretende é corrigir o escoamento do ar e conseguir um pouco mais de velocidade de ponta”.
De uma forma simplificada, o que se pretende num veículo de competição é que o ar passe através dele com comportamento laminar. Nos automóveis, que têm uma forma constante – deixemos de parte as polémicas asas móveis de outros tempos da Fórmula 1 ou não consideremos o atual ‘DRS’ atuado pelo piloto – recorre-se a fundos planos e a difusores, que tentam levar o ar da forma mais suave (fluxo laminar) ao longo das diversas superfícies que atravessam. O problema é que o ar não gosta de grandes mudanças de direção e quando isso acontece há a separação da chamada camada limite e geram-se vórtices (turbilhões de ar), altura em que o escoamento passa a ser considerado turbulento.
Ora quando tal sucede cria-se uma zona de menor pressão que tende a ‘travar’ o movimento do veículo. É o efeito de arrasto que, tal como o nome indica, impede que o veículo aumente a sua velocidade para a mesma potência. Isso é bem visível quando circulamos atrás de um camião. Sente-se a turbulência provocada atrás dele e, ao mesmo tempo, a depressão que habitualmente chamamos de ‘cone de ar’ e nos permite manter a velocidade mesmo reduzindo o acelerador.
Numa moto o piloto mexe-se bastante em cima da moto, alterando por completo o formato do conjunto moto/piloto e, consequentemente, o escoamento de ar através da sua superfície. Como é fácil de entender, é em linha reta que este conjunto ganha maior estabilidade de forma, com o piloto perfeitamente encaixado atrás do ecrã de carenagem. É aqui que a Kawasaki se propõe trabalhar a forma da traseira, otimizando o escoamento ao longo da secção posterior e visando manter o escoamento o mais laminar até ao final da superfície envolvente da traseira. Ao consegui-lo, o vórtice gerado atrás da moto diminui, o que lhe permite ser mais eficiente na utilização da potência do motor e alcançar maior velocidade de ponta, ao mesmo tempo que diminui o efeito de sucção atrás de si, o que impede que o piloto que segue atrás ultrapasse com tanta facilidade aproveitando este efeito de aspiração.
“São mudanças muito subtis que temos vindo a discutir com a Kawasaki”, refere Pere. “No Japão eles trabalham muito no túnel de vento para validar os detalhes que lhes vamos pedindo e paralelamente com os seus engenheiros de desenvolvimento. É um pequeno ‘upgrade’ que vamos introduzir para nos ajudar na direção que pretendemos seguir em termos aerodinâmicos”.
Sabemos da Fórmula 1 que um perfil simples não é mais eficaz que perfis múltiplos em termos de escoamento. O que se pretende, como atrás se disse, é que o perfil de velocidade do escoamento seja o mais idêntico ao do escoamento livre, ou seja, que um objeto atravesse a camada de ar perturbando-a o menos possível. Teoricamente, o formato com o melhor coeficiente aerodinâmico é o da gota de água – para velocidades sub-sónicas – mas tal não é possível de obter numa moto (apesar da tentativa dos ‘charutos’ dos anos quarenta e cinquenta). Por outro lado, a força de arrasto é proporcional ao quadrado da velocidade relativa entre o objeto e o ar que este atravessa, pelo que a potência necessária não é uma função linear contrariamente ao que intuitivamente se poderia esperar.
Então quanto se pode esperar em termos de melhoria da velocidade de ponta? “Qualquer número de velocidade que te possa dar estarei a enganar-te”, dizia-me Pere Riba. “Este é um pequeno ‘upgrade’ desenvolvido pela Kawasaki no túnel de vento de Akashi. Sabemos que é positivo mas é muito difícil de medir o real benefício. Quando testas num circuito de velocidade há muitas variáveis que podem influenciar o resultado final. Basta que a velocidade do vento mude dois quilómetros por hora, por exemplo, para alterar a velocidade final alcançada pela moto. As alterações na traseira são muito pequenas e não têm a expressão e o significado que se conseguiu na dianteira, por isso não te consigo dizer se o ganho real é de um, dois ou três quilómetros por hora. O desenvolvimento foi feito no túnel de vento onde apenas se verificaram resultados positivos e por isso resolvemos introduzir esta alteração na moto”.
Cá estaremos para ver que mais conclusões se podem retirar nos testes de pré-época que se vão seguir em Montmeló.