Como pulsam as ‘Superbike

  • Texto e fotos: Fernando Pedrinho
  • Fotos:Chevron, Kawasaki WorldSBK

O arranque tão esperado e desejado do Mundial de Superbike teve início no Motorland de Aragão, interrompendo assim a ronda madrugadora de Phillip Island, normalmente no fim de Janeiro.

Presenças portuguesas com destaque para o jovem Miguel Santiago Duarte que fará toda a campanha de Supersport 300 na competitiva equipa da Yamaha MS, tendo ao seu lado o velocíssimo Unai Orradre e os irmãos brasileiros Kawakami. António Lima, que estará à frente da prova do Estoril, também foi visto por aqui, na qualidade de comissário desportivo da FIM para este Mundial.

O MotoX foi o único órgão de comunicação a representar as cores lusas neste arranque de campeonato. E o que de curioso conseguimos captar?

O hexacampeão mundial Jonathan Rea estava nada nervoso com a primeira prova do Mundial em Aragão, por oposição ao usual arranque nos antípodas. O limite de rotações imposto pela FIM idêntico ao da moto anterior não agradou em nada ao norte-irlandês e à sua equipa. “O motor está mais potente por força dos novos componentes e isso obriga-me a utilizar mais uma marcha, o que representa mais algumas passagens de caixa por volta. É estranho porque a telemetria não diz que estejamos mais lentos, mas o som que o motor emite faz parecer que tenho menos potência. Isto é frustrante porque a decisão foi tomada a menos de uma semana da corrida. Isto não teve grande influência na rapidez da moto, porque a moto atinge a potência máxima antes do limite imposto, mas as 500 rpm extra funcionavam como uma margem de sobre-regime’.

Scott Smart, da Comissão técnica da FIM disse que esta decisão se ficou a dever ao fato de o motor da Kawasaki não ser verdadeiramente uma nova unidade. Notem que a KRT testou toda a época com um limite de 15.100 rpm para ver a ZX-10RR ‘castrada’ para os anteriores 14.600. Smart ripostou às acusações da Kawasaki dizendo que só recebeu a moto para homologação em Maio. Johnny perguntava: ‘O que é um motor novo? Este tem novos êmbolos e uma série de peças móveis diferentes. Significa isto que doravante um fabricante terá de despender milhões a desenvolver um motor de uma nova geração para conseguir estas concessões? Não é este o espírito das corridas de ‘Superbike’ e torna a vida muito complicada para os construtores que não podem reagir sem efetuar grandes alterações ao fim do segundo ou terceiro ano’. A pole alcançada por Jonathan e a ‘dobradinha’ na corrida parecem confirmar que as restrições não parecem ter afetado de forma alguma a rapidez das Kawasaki oficiais, que ainda assim raramente figuram no top 15 das motos mais velozes em reta.

Johnny Rea ripostou a isto tudo com a sua 100ª vitória da carreira, com uma demonstração de classe só ao alcance dos campeões. O segredo? ‘Muito trabalho. A Kawasaki trouxe uma moto nova para este ano e eu trabalhei muito no defeso e melhorei em todas as áreas. O sonho da 100ª vitória nasceu ainda eu era muito novo e corria em motocrosse com o apoio dos meus pais, estávamos em 1993. Vim para o Mundial de ‘Supersport’ e no ano seguinte estava nas ‘Superbike’, onde ganhei a minha corrida em Misano, em 2009, como ‘rookie’. Cem vitórias é uma loucura. Nunca fui muito de ligar às estatísticas mas é um número muito ‘cool’. É uma marca na minha carreira de que estou muito orgulhoso’. O mau tempo que afetou algumas das sessões de treino, como em Alcanhiz e Jerez de la Frontera, não foi problema. ‘A minha equipa não deixou pedra por virar e logo marcou novas datas alternativas. Todos se sacrificaram, eles e as suas famílias, por estarem tanto tempo fora de casa. Às vezes sem termos feito uma única volta. Começar o campeonato com 25 pontos acima do que aconteceu no ano passado é a melhor forma de o fazer’. Rea está agora numa galeria onde figuram nomes como Valentino Rossi e Lewis Hamilton, dentro em breve. O próximo ‘cool number’. ‘O número 1, em Outubro, se tudo correr como previsto’. Ou será antes o número da sorte? 7! Dedicatória? ‘Aos meus pais que se sacrificaram sem limites pela minha carreira!’.

Contentíssimo por voltar a desfrutar da adrenalina das corridas, já que considera os testes algo aborrecidos, ’ao fim de 20 voltas já estamos a olhar para a paisagem’, Alex Lowes estava ainda mais contente por terminar logo atrás do ‘capitão’ Rea. Seguindo-o como uma sombra boa parte da corrida, o britânico explicou-nos onde o ‘100 vitórias’ fazia a diferença. ‘O Jonathan consegue girar a moto na primeira parte da curva melhor que eu. Isso permite-lhe preparar melhor a saída. Mas como eu o consegui boa parte da corrida, significa que eu não estava a fazer as coisas mal, o que é muito promissor’. E que diferença é estar na equipa do campeão mundial? ‘Em qualquer equipa queres bater o teu companheiro, mas quando se trata de um campeão mundial fica tudo mais difícil. Nos testes de pré-época eu dizia: uau, isto foi uma volta e pêras. Chegava à boxe, via os tempos dele e f***-se… Temos de ter a atitude correta e positiva. Todos o queremos bater, mas para isso temos de pilotar ao nível que ele é capaz. O que ele está a fazer é impressionante. Ganhar uma corrida é difícil num campeonato mundial. Ganhar outra corrida, é ainda mais difícil. Para ganhar um mundial tudo tem de estar no ponto. Mas ganhar seis campeonatos e voltar no ano seguinte, depois de uma paragem de inverno tão prolongada, com esta motivação… merece todo o meu respeito. A rapidez com que ele saiu na frente. Eu só tenho de estar contente por ser o seu colega de equipa. Espero em breve meter-lhe ainda mais pressão. É esse o objetivo’.

O formato da ‘superpole’ de sábado voltou a mudar, desta feita para uma sessão em que todos vão para pista durante 15 minutos. E com a necessidade de mudar para o pneu de qualificação – que na Pirelli me dizem não durar mais de uma volta – o tráfego em pista promete ser de hora de ponta.

Sem fazer favores de qualquer espécie, Scott Redding levantou questões sobre a utilização do pneu Pirelli Diablo SCX que a marca de Milão desenvolveu para a roda traseira a pensar na corrida de ‘superpole’ de Domingo. “Sei de uma mão cheia de pilotos que o querem utilizar nas corridas mais longas, mas é provável que esta escolha não funcione. Como temos de pensar no campeonato, esta decisão pode ter custos elevados, sobretudo porque a incógnita reside no seu comportamento nas últimas cinco voltas. Se funcionar, ótimo! Se não tens um grande problema entre mãos. É um jogo que me parece injusto, escuta o que te digo”. O seu companheiro de equipa, o ‘peso-pluma’ Michael Ruben Rinaldi, alcançou mesmo a sua primeira vitória em SBK, nesta mesma pista, precisamente com o SCX traseiro, enquanto os mais altos e pesados Redding e Davies se viam em ‘palpos de aranha’ com o desgaste prematuro dos pneus. “Os pilotos mais leves devem tentar esta aposta, mesmo o Jonathan Rea. E até eu posso tentar porque o tempo por volta é tão diferente que num SCX consegues tires entre cinco a oito décimas de segundo comparativamente ao SC0. É uma diferença enorme!”

O Pirelli Diablo Superbike SCX é o composto extra-brando para a roda traseira, situando-se abaixo do SC0 e SC1 em termos de dureza. ‘Podes optar pelo SC0 e apostar de forma segura numa posição final aceitável, em que podes ganhar ou não, ou meter as fichas no SCX, em que durante 15 voltas vais rodar mais rápido meio segundo e esperas chegar ao fim com margem suficiente para gerir a degradação do pneu’, disse-me Redding. ‘Mas se estiveres em luta direta com um piloto muito mais baixo do que tu não vais conseguir essa margem quando faltarem cinco voltas para o fim. Eu sempre acreditei que este pneu era para a corrida de ‘sprint’ de Domingo e levantei este ponto na reunião de quinta-feira, mas a questão levantada foi se ia haver o pneu de chuva mais macio. Então eles ainda querem ter mais vantagem também com chuva? Quantos deles querem genuinamente vencer o campeonato? Talvez uns três ou quatro que vão realmente forçar a possibilidade de utilização nas corridas mais longas e dois deles são bem pequenos. É uma partida muito complicada de jogar!’.

Quando perguntei a Scott se a temperatura mais baixa o ia ajudar na escolha, a resposta do inglês não podia ser mais expressiva. ‘F***-se, eu sei o que optar no acerto da Panigale mas no que toca ao pneu… O SCX tem mais dificuldade em baixas temperaturas, o que pode afastar alguns pilotos da sua escolha mas dada a vantagem que permite em tempo por volta voltamos ao jogo de casino habitual. O ideal era irmos todos para a pista com o mesmo pneu e ganha o que for melhor, independentemente de ser a ‘superpole’, corrida longa, estar a chover ou o que for. Mas quanto tens um pneu que te dá uma vantagem declarada, começas a equacionar qual vai ser o melhor nas últimas voltas. Deixas de pensar em ganhar a corrida mas em gerir pneus. E acho isso injusto!’

Com as Honda a voarem na reta do Motorland na sexta de manhã (318 km/h de velocidade máxima), Álvaro Bautista comparou o novo pneu da Pirelli para frente – o SC1 Z0628 – e confirmou que, na traseira, o SCX é deveras mais rápido mas tende a degradar-se mais rapidamente à medida que a temperatura vai subindo. O talaverano considera que a sua CBR1000RR-R está a 70% do que considera a moto ideal, num ano em que há mais gente capaz de lutar pelos lugares do pódio. ‘A moto ainda pode ter algumas limitações para fazer uma volta rápida, mas em termos de ritmo de corrida está muito mais fácil’. Curiosamente, a revelação mais surpreendente do espanhol foi ter-se oferecido ao HRC para substituir Marc Márquez durante a sua lesão com a RC213V da Repsol Honda. ‘Disponibilizei-me para fazer corridas ou testes. O HRC agradeceu mas preferiram preservar a minha condição física, porque para a Honda o projeto ‘Superbike’ é muito importante e que eles querem vencer, pelo que os pilotos terão de estar na máxima forma e não condicionados por lesões’.

Michael Ruben Rinaldi estreou-se como piloto oficial na equipa da Aruba.it Ducati, o lugar que era de Chaz Davies. O que mudou nesta passagem para um construtor? ‘Primeiro que tudo as sessões de teste. Fiz imensas sessões e no passado não havia orçamento nas equipas privadas para tantos testes. Isso permitiu-me conhecer melhor a moto e trabalhámos muito. A outra diferença é que na fábrica da Ducati nunca param de trabalhar. Eu vivo perto de Borgo Panigale e às vezes passo por lá e eles estão lá sempre de volta da moto. A Go Eleven era uma equipa pequena mas é bom ver que mesmo as equipas satélites estão a atingir um nível raramente visto’.

Chaz Davies fez o percurso inverso, mas nem por isso o galês e ‘rei do Motorland’ deixou de ver o copo meio cheio na troca direta com Rinaldi. ‘Tenho uma grande equipa à minha volta. Escutam-me e estamos todos empenhados para tirar o máximo deste ‘pacote’. Quando estás numa equipa oficial há outras influências e outros níveis de pressão. Adoro a atitude do grupo e a relação com o meu diretor técnico – ndr: Pete Jennings, que estava com Tom Sykes no ano passado – é muito boa nesta ligação inglesa. Nunca dei valor a este detalhe, pois nunca havia trabalhado com o um ‘crew chief’ britânico, mas quando falas com alguém na tua língua materna e apanhas todas as nuances e detalhes que fazem uma grande diferença e aceleram o desenvolvimento da moto. Tentámos várias coisas nos testes de inverno, mas definimos a moto, a afinação base e sabemos o que queremos. Temos um bom grupo e um bom método’. Quanto à estratégia para a ‘superpole’: ‘gás a fundo!’.

Muito rápido nas sessões de treinos, Alex Lowes confirmou a competitividade do campeonato e que as expetativas sobre os resultados de novos projetos como os da BMW e Honda têm de ser moderados. ‘O Mundial de ‘Superbike’ é muito mais competitivo e complicado do que as pessoas pensam. A Yamaha tem anos e anos de trabalho com suporte das equipas de ‘MotoGP’ e das 8 Horas de Suzuka e ainda não é a equipa vencedora, apesar do progresso registado. A Kawasaki e a Ducati têm sido as dominadoras nos últimos quinze anos e têm muita informação, além de que o Jonathan Rea tem pilotado a um nível elevadíssimo. Não é fácil chegar com uma equipa nova, moto nova, peças novas e alterar este estado de coisas. É esta a realidade do Mundial de ‘Superbike!’.

Garrett Gerloff está contentíssimo com o pacote fornecido pela Yamaha tendo à sua disposição o modelo de 2021 ‘full spec’. ‘Tenho a mesma moto que aquele ‘guy’ ali ao fundo’, apontando para Toprak Razgatlioglu. Visando maior consistência, o texano de Houston tem mostrado a sua rapidez nos testes e agora em Aragão. ‘Quero andar consistentemente nos cinco primeiros e se conseguir entrar no ‘top 3’ melhor ainda, mas não vai ser fácil porque há muita gente a andar rápido’. Gerloff revelou que tem muitas coisas em comum com o estilo de pilotagem do turco da equipa oficial, mas outras em que são muito diferentes. ‘Tenho tentado ser mais agressivo na travagem como ele faz e estou mais perto de o conseguir. Ele é muito bom a parar, virar a moto, levantá-la e sair, onde eu tenho tendência a ser muito mais fluido nessa sequência. O estilo dele adequa-se bem a algumas zonas do Motorland, como as curvas 14 e 15 antes da reta, ou no último setor, mas ainda estamos a analisar o que nos diz a telemetria’.

Em auxílio desta procura de maior consistência pode vir o conhecimento da maior parte dos traçados. ‘No ano passado tudo era novo, mas este ano tudo se apresenta de uma maneira mais familiar e como se regressasse a casa. Isso faz uma grande diferença em termos mentais e tem-me ajudado imenso a crescer’.

Toprak Razgatlioglu foi surpreendentemente o mais rápido na sexta, num circuito onde costumava ter naturais dificuldades, afundando-se na ‘superpole’ depois de inexplicavelmente ter ultrapassado os limites da pista na longa reta de Alcañiz, quando nem vento soprava no traçado aragonez. Apesar da rapidez, nem tudo eram rosas… ‘A moto muda completamente ao fim de 10 -12 voltas, como trava, como gira. Preciso de um bom ‘feeling’ na frente. O pneu traseiro é um problema para toda a gente e cai muito de prestações ao fim de 10 voltas’.

Quando inquirido sobre a sua preferência de temperatura, o turco arregalou os olhos e saltou rapidamente: ‘quanto mais frio melhor!. A aderência melhora substancialmente, espero que a temperatura da pista não suba acima dos 45ºC. Com a pista muito quente ando mais de lado do que para a frente’.

A razão para o pouco à vontade de ‘Stoprak’ no circuito mais longo do Mundial é simples. ‘Tem demasiadas curvas muito longas que não se adequam muito ao meu estilo de travar forte e virar. Tenho estado a trabalhar neste ponto mas melhorar o meu tempo em segundo e meio de uma ano para o outro é um grande salto’. O maior mistério para o piloto de Alana, e que já dura desde 2018, ano em que ascendeu às ‘Superbike’ reside na falta de explicação para, amiúde, não conseguir o tempo por volta desejado quando monta o pneu de qualificação.

Na corrida terminou no pódio depois de sair do 10º posto. Entrando na última curva à frente de Alex Lowes, o homem R1 azul e vermelha acabou por por ser passado com a linha de meta à vista. ‘Já não tinha pneu atrás nas últimas cinco voltas e para o lado esquerdo acabou por completo. O Lowes tinha ainda uma reserva de ‘grip’ que eu não tinha. Estou contente, pódio em Aragão é ótimo porque este circuito não é bom para mim’. Recorde-se que Toprak alinhou com o ultra macio traseiro (SCX) enquanto as Kawasaki saíram com o macio SC0.

Lembram-se desta manete que apresentámos na peça dedicada à Panigale V4R. Pois Federico Capelli, o diretor de comunicação da Aruba.it Ducati, confirmou-me que se trata, como havíamos dito, de uma ‘porta’ mecânica que, uma vez acionada, impede o piloto de engrenar o ponto-morto durante a prova. Ao regressarem ao ‘pit lane’, os pilotos ‘destrancam’ a porta e podem encontrar o ponto-morto quando param na boxe.

Quanto à volumetria da traseira das Panigale V4R, arregalou-me os olhos e disse taxativamente: ‘não te posso dizer’. Mas MotoX já descobriu a razão que revelarei brevemente.

Ainda antes do início do campeonato a FIM revelou quais os modelos homologados para os campeonatos mundiais de ‘Superbike’ e Resistência, bem como para as fórmulas EWC e ‘Superstock’. Dois modelos verão a sua homologação terminada no início de 2022, como a EBR 1190RX ou a Honda CBR1000RR Fireblade SP (SC59) de 2014. A lista é a seguinte:

O mesmo sucedeu com os regime máximo de rotação para cada modelo, com dois novos modelos na grelha: a Kawasaki ZX-10RR Ninja e a BMW M1000RR. A marca japonesa não beneficiou de qualquer concessão, pelas razões que vimos anteriormente, mantendo-se o limite de rotação nas 14.600 rpm da versão de 2019. Tudo isto depois de termos visto a KRT a testar toda a pré-temporada com o limitador nas 15.100.

Já a casa de Munique beneficiou de um incremento de 600 rpm para a nova M1000RR, que viu o regime máximo subir das 14.900 rpm da S1000RR K67 para as 15.500 rotações por minuto.

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