Jorge Viegas segue de vento em popa aos comandos da FIM, a federação que rege os interesses do motociclismo a nível mundial. E sempre que nos cruzamos com ele, há motivo de sobra para colocar a conversa em dia sobre os pontos mais quentes do desporto (e não só) em duas rodas.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Victor ‘Schwantz’ Barros
A pandemia Covid-19 vai a caminho do segundo ano, tendo atingido os mais diversos setores da economia, finanças, saúde e sociedade em geral. O motociclismo não foi exceção. Mas Jorge Viegas tem uma opinião um pouco diferente. No calendário deste ano não houve grande impacto, começou por afirmar enquanto nos recebia no escritório da ‘Hospitality’ da FIM. Houve algumas trocas mas mantivemos um calendário muito próximo do que tínhamos no início. São muito poucas as modalidades que vão ter menos provas que o previsto em 2021. Só a Resistência perdeu uma prova, passando de um total de cinco para quatro eventos. Contudo, ainda vai haver mais mexidas, premeditava ainda antes do anúncio da substituição da prova de MotoGP em Phillip Island por uma nova visita a Portimão, que os portugueses agradecem. O impacto em 2021 vai ser muito menor que no ano passado.
A FIM realizou as reuniões de direção em Portugal, no fim-de-semana das Superbike no Estoril. Entre as novidades estão o lançamento do concurso para seleção dos promotores dos mundiais de Enduro e Trial Indoor, ou novas condições para o Mundial de Motocrosse. O Mundial de Supercross rompeu a amarra com a FIM e decidiu concentrar-se no território norte-americano, perdendo assim o estatuto mundial. Temos um novo contrato com a eXplorer para as motos elétricas (eBikes) e estamos a negociar com a A.S.O. a inclusão do Dakar no Mundial de Ralis. E falando de todo-o-terreno, o Presidente da FIM alcançou a espinhosa missão de trazer o campeonato de Enduro Extreme (denominado anteriormente por WESS) para a esfera da FIM. É verdade, e a primeira prova foi realizada em Portugal, só que não contou para o mundial, pelas razões que conhecem. Esse foi um dossiê que se arrumou, concluiu o natural de Faro com um sorriso.
Outra área em que a FIM tem estado a trabalhar são as ‘eBike’, e não era por acaso que à porta da ‘hospitality’ estava estacionada uma elétrica da sueca Cake. Fizemos um acordo com eles que nos cederam os dois exemplares que viste à porta. Mas em jeito de resumo, o trabalho tem incidido em estabilizar todos estes campeonatos, a que se adicionam os contatos normais com a Dorna ou a Youthstream. Jorge Viegas esteve presente na primeira prova do mundial de Motocrosse, disputada em Orlyonok, na Rússia, com direito a passagem pelo Kremlin. Não a convite de Vladimir Putin, mas antes do Ministro do Desporto do maior país do mundo.
Portugal terá em 2021 não onze mas antes doze provas de campeonatos mundiais, com a adição da segunda passagem por Portimão, algo que é absolutamente inédito, referiu. Duas de MotoGP e outras tantas de ‘Superbike’ e FIM CEV, a que se juntam os eventos da Resistência, ‘Sidecar’, Motocrosse, Trial das Nações, Enduro e Mundial de Ralis. Nem o Secretário de Estado do Desporto tinha ideia desta dimensão, disse-nos Jorge Viegas no meio de uma franca gargalhada. Mas e como é possível tal projeção? Porque estamos com condições sanitárias que têm permitido receber as pessoas e as coisas têm corrido bem nos eventos ligados ao motociclismo, por oposto ao que se tem passado com o futebol, e em particular a final da Taça dos Campeões, que decorreu no Porto com dois clubes do mesmo país…
Mas qual é o ‘efeito Jorge Viegas’ para o sucesso alcançado pelo país nos últimos anos com tanto evento internacional e da máxima importância? Julgo que nenhum, ripostou. Nós temos tantos anos de boa organização, clubes excelentes e pessoas de muita qualidade. Eu não faço qualquer tipo de pressão para que uma prova vá para Portugal e até evito entrar na tomada de decisões quando envolve um evento relacionado com o país. Por exemplo, um dos promotores candidatos ao Mundial de Enduro é português e eu não vou tomar parte na decisão de escolha. Que fique claro que a vinda de provas internacionais para o país sucede por decisão dos promotores dos campeonatos. São eles que querem vir, porque sabem que as coisas aqui são bem organizadas e têm condições.
Porventura o momento mais duro do seu mandato terá sido a participação nas celebrações fúnebres do jovem suíço e filho de mãe portuguesa, Jason Dupasquier, que deixou o algarvio evidentemente consternado. Apesar da sua posição à frente dos destinos de uma casa como a FIM, Jorge Viegas também tem o seu ponto de vista sobre os diversos ‘fait divers’ que rodeiam o motociclismo mundial, como o caso Andrea Iannone, severamente penalizado pela WADA, a Agência Mundial Anti-Dopagem. Muito se falou sobre esse assunto e o que eu disse saiu algo deturpado. O que afirmei aos meios de comunicação italianos foi que, se eu tivesse poder para reduzir a pena do Andrea, fá-lo-ia. O piloto esteve na sede da FIM, com o pai, porque pensavam que eu tinha o poder de perdão, o que não acontece na realidade. Ele esteve em Misano, no GP do ano passado, altura em que o castigo da FIM tinha sido de 18 meses de suspensão da licença de piloto. Disse-lhe para não agitar mais águas, apesar dos seus protestos. Iannone acabou mesmo por apelar e a WADA deu-lhe quatro anos de suspensão. Quando fui entrevistado por um programa televisivo italiano algo polémico, expressei a minha opinião: que achava excessiva a pena em face das dúvidas que existiam sobre o caso e pela gravidade do que ele tinha feito. Mas as mesmas acabaram descontextualizadas e muita gente achou que o Andrea ia ser despenalizado. Se ele tivesse ficado quieto já podia ter corrido em Junho. Ainda assim, acredito que ele volte à competição.
Em conversa com o Gregorio Lavilla, em Aragão, ele confirmou-me aquilo que me tinhas dito em Portimão, no ano passado, de que o regulamento técnico do Mundial de ‘Supersport’ será substancialmente alterado para permitir que venham mais marcas para integrar um campeonato dominado por duas marcas japonesas e duas motos italianas, e isto com efeito já para 2022. A ‘Supersport’ foi uma classe criada para as 600cc (ndr: tetracilíndricas, e que inclui ainda as 675cc tricilíndricas ou 750cc para as motos com motores de dois cilindros) mas que atualmente não faz muito sentido. Olhas para a grelha e vês Yamaha, Yamaha, Yamaha, algumas Kawasaki e duas MV Agusta. Não faz sentido alhear-nos da realidade das motos que estão à venda no mercado, pelo que a ideia é que, independentemente da capacidade do motor, possam entrar motos que as pessoas compram e cujo controle técnico feito pela Dorna e por nós consiga alcançar um equilíbrio de prestações que, aliás, está à vista nas ‘Superbike’ pela quantidade de marcas que se bate pelos lugares da frente e que mostra como o campeonato está equilibrado.
Nas ‘Supersport’ precisamos de mais marcas e modelos para não ser apenas um confronto entre Yamaha e Kawasaki. A nova regulamentação vai nesse sentido, poderá haver 500cc ou 750cc misturadas. A Barni Racing levou a cargo alguns testes com o Randy Krumenacher e uma Ducati SuperSport 950, enquanto este ano a PTR de Simon Buckmaster está a alinhar na Supersport britânica com o norte-americano Brandon Paasch e uma Triumph Street Triple 765RS. Isso é verdade, pois a ideia é que a categoria integrada no BSB (ndr – o campeonato britânico de ‘Superbike’) servisse de laboratório de teste e aquilo que estás a ver em Inglaterra é um pouco do que se vai replicar no Mundial.
E a sustentabilidade do desporto? O campeonato de Moto-e continua ao rubro com boas corridas e tempos a baixarem, rodando praticamente ao nível das Moto3. O contrato com a Energica termina só para o ano e depois veremos. O que te posso dizer é que estamos a ver com muita atenção os combustíveis não fósseis como alternativa, porque isso permitiria manter as motos como as conhecemos, baixando contudo as emissões poluentes. Já anunciámos publicamente os contatos com os fornecedores de combustíveis e é muito possível que em breve tenhamos uma percentagem de combustíveis não fósseis a ser utilizada.
Jorge Viegas terminou com um balanço positivo do seu mandato até ao momento. Gosto do que faço, não acho que tenha cometido muitos erros. Tem sido duro por vezes, em face da seriedade de alguns problemas com decisões que não são pacíficas, mas diria que no conjunto a FIM levou uma volta de 180 graus e está de cara lavada.