Quem já visitou o Imperial War Museum, em Londres, terá certamente visto os muitos artefactos históricos das guerras que envolveram o Reino Unido e exemplos das mais importantes máquinas de guerra utilizadas pelo exército britânico. Os mais atentos, ou apaixonados pela história, não só terão ficado maravilhados com o tanque Mark V da Primeira Guerra Mundial, de quase trinta toneladas, a fuselagem de um bombardeiro Avro Lancaster ou o Hawker Siddeley Harrier da Royal Navy, de descolagem e aterragem vertical, utilizado em 1982 nas guerra das Malvinas. E terão, certamente, ficado impressionados com a Brough Superior SS100 que pertenceu a Thomas Edward Lawrence, o Lawrence da Arábia.
- Texto: Alex Ricci
Esta bela mota foi concebida em Nottingham, por George Brough, em 1924, e colocada à venda a partir do ano seguinte. Construídas à mão de acordo com os gostos e requisitos específicos dos clientes, eram modelos caros, custando cerca de 170 libras na altura.
Brough construiu o quadro depois equipado com motores fornecidos por outros fabricantes. O primeiro deles, utilizado a partir de 1924, foi o KTOR da JAP, um bicilíndrico em V de 982 cc e duplo veio de excêntricos. A partir de 1936 foi utilizado o Matchless modificado com caixa de velocidades 4-STUD, da Sturmey-Archer, de três velocidades.
A Brough tinha também desenvolvido a forquilha da Harley Davidson, a partir da qual evoluiu a sua própria versão, mais leve, porém mais resistente. Construída pela Castle Fork and Accessorises, esta forquilha garantiu um dos maiores argumentos da Brough Superior SS100: a sua elevada maneabilidade.
Recordista
Considerada por uma revista da época como o Rolls Royce das motos, foi de facto a primeira superbike da história. Basta atentar na capacidade de atingir facilmente as 100 milhas por hora (160 km/h). Além disso, cada comprador era encorajado pela Brough a sugerir eventuais melhorias. O que originou um desenvolvimento contínuo baseado nas possibilidades reais das motos da sua época.
Em 1928, chegou a suspensão traseira e, em 1929, a caixa de velocidades teve direito a uma versão reforçada. Aliás mais adequada aos 50 cavalos de potência – que ascenderam a 75, em 1934, na versão Alpine Grand Sport.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, a empresa converteu a produção para material de guerra. Mas o trabalho árduo desenvolvido ao longo dos anos permitiu à SS100 vencer mais de cinquenta eventos e estabelecer sete recordes mundiais. Recordes de 130 milhas por hora (209,2 km/h) no quilómetro (1927), 130,6 milhas por hora (1929), 81,08 milhas por hora (130,4 km/h) na meia milha (1932) e o recorde de todos os tempos de 124,51 mph, ou 200,37 km/h (1939).
Catálogo da Brough Superior de 1926, par a versão Alpine Grand Sports
Militar de carreira
Arqueólogo, coronel da Real Força Aérea e agente dos Serviços Secretos de Sua Majestade Britânica, Lawrence foi das figuras mais importantes e controversas da Primeira Guerra Mundial. E uma peça-chave no tabuleiro de xadrez do Médio Oriente na guerra contra o Império Otomano. A sua habilidade como mediador militar e o seu grande respeito pela cultura árabe fizeram-no cair nas boas graças do rei Feysal. Com quem liderou uma revolta bem sucedida contra o domínio turco, cultivando o sonho de unir todas as tribos num grande Estado árabe.
Desiludido com os resultados da Conferência de Paz de Paris, em 1919, decidiu retirar-se da vida militar. Demitiu-se de todos os cargos oficiais, como conselheiro para os Assuntos Árabes. E recusou mesmo o título de Vice-Rei das Índias e a prestigiada Cruz Milita, que, aliás, nunca recebeu. É durante este período de total desapego à sua vida anterior e aos anos de serviço que se dedica às Brough Superior.
Teve sete a primeira das quais comprada em 1922, a Boa (abreviatura de Boanerges). Em 1923 a George I (150 libras, preço superior ao de uma casa) e em 1924 a George II. Já em 1925 comprou a George III, em 1926 a George IV e em 1927 a George V (RK 4907). Em 1929, foi a George VI (UL 656), e em 1932 a George VII (GW 2275). Já a George VIII estava em processo de fabrico na altura da morte de Thomas Edward Lawrence.
Reza a história que Lawrence da Arábia era um exímio motociclista e que usava frequentemente a mota para as suas deslocações diárias.
Para outra estrada
Já mergulhado na sua vida em Dorset, na escrita de “Os Sete Pilares da Sabedoria”, o texto autobiográfico que narra a epopeia do Médio Oriente e a sua vida nas motos, foi finalmente dispensado do exército em 1935. Mas nesse mesmo ano um fim trágico encontrou Lawrence não muito longe de casa.
Na manhã de 13 de maio, quando regressava da estação de correios onde tinha ido enviar um telegrama, conduzindo uma das suas Brough Superior SS100, encontrou a morte num acidente que continua envolto em mistério. Fontes oficiais afirmam que ele se despistou ao tentar evitar dois rapazes de bicicleta que surgiram subitamente no seu caminho. Outros testemunhos falam de um carro preto que parece ter perturbado o motociclista. E que o terá feito perder o controlo da moto quando acelerava numa lomba que conhecia bem.
Ainda assim, o clima de suspense entre a fatalidade e a hipótese de conspiração, mantém dúvidas sobre o caso. Mas a despedida ocorrida pouco antes do acontecimento é uma grande coincidência. Mas o melhor é mesmo recordar o grande Lawrence da Arábia como um verdadeiro motociclista. Uma personagem extraordinária que pertence não só à história, mas também ao mundo do motociclismo, que enriqueceu com a sua figura fictícia. E que contribuiu para que Brough Superior SS100 seja um ícone da história motociclística, estando mesmo na origem da espetacular versão do século XXI.