Brixton Crossfire 500 X. Como um surpreendente café global…

  • Texto: Paulo Ribeiro
  • Fotos: Delfina Brochado

Vivemos tempos de globalização. As tendências atuais são a globalização, a multiculturalidade e até a transnacionalidade. O orgulho patriótico cedeu o lugar, em definitivo, à importância dos resultados. Olhe-se para os Jogos da XXXII Olimpíada! A começar pela Seleção de Portugal representada em Tóquio pelas mesa-tenistas de bem lusitano nome Fu Yu e Shao Jieni, ou o ruído em redor de Pedro Pichardo, nascido cubano para trazer a medalha de ouro para o nosso País. Podemos prosseguir com a vencedora dos 10 mil metros, a holandesa Sifan Hassan nascida na Etiópia. Mas também o maratonista suíço Tadesse Abraham, eritreu de nascença, ou a jogadora de badminton francesa Qi XueFei entre muitos outros atletas. E nem vamos falar de jogadores de futebol!

Tudo para deixar claro que, goste-se ou não, concorde-se ou não, os tempos modernos são marcados por essa irreversível política de globalização. E o que tem isto a ver com as motos? Tudo… e cada vez mais!

Como um belíssimo de um expresso café de torrefação italiana, feito com as mais puras das águas das montanhas alemãs, tirado de uma máquina com mais avançada tecnologia japonesa, servido por um ‘very british butler’ numa esplanada em pleno coração da Áustria, nas mais finas porcelanas oriundas da China, e adoçado com açúcar oriundo das antigas colónias espanholas.

Mescla universal à imagem da própria Brixton Crossfire 500X, a mais recente proposta da jovem marca austríaca, criada em 2015 pelos irmãos Christian e Michael Kirschenhofer, donos do grupo KSR. Concebida no departamento de design em Krems an der Donau – a 250 quilómetros da sede da KTM em Mattighofen – foi buscar dos melhores componentes disponíveis um pouco por todo o mundo. Desde a eletrónica alemã (o evoluído ABS Bosch 9.1) às suspensões japonesas ajustáveis (Kayaba), passando pelo poderoso sistema de travagem espanhol (J.Juan) ou pelos pneus italianos (Pirelli MT60). Além disso é fabricada na China, permitindo garantir preços concorrenciais sem comprometer, como veremos adiante, elevada qualidade. E nem sequer esconde a inspiração britânica, ao adotar o nome do animado e multicultural bairro londrino de Brixton para apelar ao berço histórico das ‘café-racer’. O resultado de tudo isto… é melhor guardá-lo para o final para não influenciar a leitura

Estética nota X

Confesso que quando vi pela primeira vez a ‘concept bike’ que estaria na origem da Crossfire, no Salão de Milão em 2018, e sabendo o historial das outras marcas próprias do grupo KSR (nomeadamente a Generic entretanto rebatizada de KSR Moto), fiquei com redobrada curiosidade de ver o produto final. Para ver se era cumprida a promessa de um design muito agradável e com identidade própria e se, por outro lado, o fabrico na China não comprometeria a qualidade anunciada pelos austríacos. Pois bem, ao olhar atentamente para o produto final, estacionado na minha garagem, percebi que, nunca como aqui e agora, a duplicidade de entendimento do X no alfabeto latino e na numeração romana fez tanto sentido. Um X para Cross(fire) e X para a nota artística e atuação geral.

Uma nota inicial para o bem visível X literalmente marcado no alumínio do depósito, coração estético de uma moto com ar entre o ‘café racer’ e a filosofia ‘scrambler’. Mas que, na prática, pretende ser, e é, uma ‘commuter’ divertida e com estilo. Imagem distinta sublinhada pelo guiador mais largo face à versão S, o banco corrido e plano, rematado com o guarda-lamas em posição alta – ao contrário da versão mais estradista que fica junto à roda – ou os pneus de perfil mais aventureiro. Abundam os pormenores de qualidade e boa imagem, como o X gravado nas borrachas dos poisa-pés do condutor como do passageiro ou os parafusos em aço inox de cabeça sextavada interior, os famosos Umbrako em linguagem universal, o escape em aço ou as placas dos radiadores. Mas fica também uma nota menos positiva ao olhar para os retrovisores grandes e esteticamente pesados em contraste com os piscas minimalistas e a iluminação integral em LED.

Rumo universal espelhado no farol

O farol é exemplo claro da preocupação com os pormenores. Em LED e com círculo de luz de presença diurna, sobressai pelos pontos cardeais iluminados em verdadeira assinatura luminosa Brixton. À boa imagem que exibe quando estacionada frente a qualquer esplanada, junta-se uma ergonomia de boa nota… urbana. O banco que se prolonga sobre o depósito, bastante acessível a quase todos os condutores ficando a 795 mm do solo, revelou-se bastante confortável, ponto de partida para uma posição de condução que mescla o muito bom, ao nível das pernas e joelhos, bem encaixados no depósito e com perfil que não exerce pressão nas coxas, ao assim-assim. Isto porque o guiador, bem mais largo (851 mm) face à versão S, acaba por mostrar-se demasiado crossista, afastando os punhos em demasia, dificultando a evolução no meio do trânsito tanto mais que coloca ainda mais em evidência a avantajada dimensão dos retrovisores. E mesmo em estrada acaba por não revelar grande utilidade (para lá do ponto de vista estético) ao não contribuir sobremaneira para uma maneabilidade que já era excelente e obrigando a circular com as costas algo arqueadas. Claro que, após alguns quilómetros de desconforto e desapertando quatro parafusos (e depois os outros dos suportes das manetes!), o problema foi de fácil resolução ou, pelo menos, bastante minimizado.

Ficou muito melhor e com as costas e braços em posição mais natural foi possível apreciar mais detalhes como o discreto painel de forma cilíndrica, resumido ao essencial e perfeitamente suficiente. Um mostrador LCD em negativo (carateres brancos sobre fundo negro) com conta-rotações em posição de destaque, tendo por baixo o velocímetro e o relógio, bem como dois indicadores de barras para o nível de gasolina e de temperatura do líquido de arrefecimento do motor. Existe ainda um totalizador de quilómetros e apenas um parcial (‘trip’) que será o bastante para ir aferindo a distância percorrida rumo a um destino pré-determinado, ou para controlar o consumo de gasolina.

Uma nota para o alerta do meu amigo Rui Marinho que, quando fui buscar a Brixton Crossfire 500 X à Norboxe, disse que em determinadas condições de luminosidade poderia perder em legibilidade. Na verdade, e dada a posição praticamente horizontal do painel, debaixo de sol intenso torna-se complicado ver algumas das luzes indicadores do painel, nomeadamente do nível de gasolina ou do aviso de problemas no motor. Mas, ainda assim, nada que um olhar mais atento não permita vislumbrar!

Já na estrada, agradecem-se as manetes reguláveis de forma contínua, permitindo um ajuste ao milímetro, algo que muitas máquinas bem mais caras não possuem. E que, de alguma forma, ajudam a disfarçar alguma dureza da embraiagem, notória sobretudo em cidade, e do potente travão dianteiro. E que, se no caso da primeira, é ultrapassada pela caixa de velocidades super suave e extremamente precisa, no caso do travão tal pode dever-se às pastilhas montadas nesta unidade. Isto porque a potência de travagem proporcionada pelo enorme disco de 320 mm de diâmetro, com pinças radiais e tubagens reforçadas com malha de aço não deixa grande margem para dúvidas. O mesmo se passa com o conjunto traseiro, também fornecida pela especialista J.Juan de provas dadas no Mundial de Superbikes e não só, mas aqui a nota máxima é impedida por um curso demasiado longo do pedal. Porque a eficácia está lá, é verdade, mas mais abaixo!

Equipada sem preconceitos

Suavidade geral que está patente também no sistema de amortecimento fornecido pela japonesa Kayaba. Inicialmente demasiado macia atrás e extremamente dura na dianteira, revelou um abanar da dianteira em aceleração mais forte e velocidades elevadas, além de provocar falta de confiança em curvas e mudanças de direção. Nada como dar uso às possibilidades de ajuste em pré-carga e colocar a meio das 22 posições proporcionadas na forqueta tele hidráulica invertida e 24 no mono amortecedor acionado por braço tubular. Muito melhor! Que é para isso que lá estão as afinações.

A partir daí cada um pode ajustar em função do peso, da utilização a solo ou acompanhado, e mesmo do estilo de condução. Mais conforto menos cliques, mais eficácia roda-se para o outro lado. Um ajuste intermédio que agradou mais foi conseguindo ao endurecer um pouco mais a dianteira, para aumentar o feeling e leitura da roda da frente, aligeirando a traseira para maior suavidade e conforto.

Claro que pode parecer uma abordagem excessivamente técnica para uma moto que está vocacionada para utilizadores com experiência relativamente curta, pensada para condutores com carta A2 com motor limitado a 35 kW de potência. Mas não é, e basta uma simples chave de fendas para ir percebendo as diferenças. Outra vantagem deste sistema de amortecimento é o incremento da excelente maneabilidade proporcionada por uma ciclística compacta, um peso que não sendo pequeno (190 kg) está bem distribuído e com um banco a civilizados 795 mm do solo.

É, sem dúvida, o ponto forte da Crossfire 500 X esta grande agilidade, uma enorme facilidade em cidade (descontando a largura do guiador e dos retrovisores) e sobretudo em estrada, onde cada curva pode ser feita de forma prazenteira, fácil e segura.

Suavidade geral condizente com um motor interessante, que, longe de ser um colosso de potência (47,2 cv/8500 rpm), é de fácil utilização desde as mais baixas rotações. Tem potência sempre disponível, permitindo acelerar desde tão cedo quanto as 2000 rotações por minuto, e um binário (43 Nm/6750 rpm) que ajuda a vencer todas as dificuldades, mesmo a dois e perante as subidas mais íngremes. Bloco bicilíndrico paralelo, de 486 cc, refrigerado por líquido, com ignição desfasada a 270º criando uma sonoridade bem vincada e acrescida vivacidade em aceleração. Naturalmente longe da capacidade de alongamento de um quatro-em-linha, o motor da Brixton brilha nas rotações mais baixas e proporciona recuperações bem interessantes sobretudo a partir das 5000 rpm.

Naturalmente, e como não há bela sem senão, é exatamente a essa rotação que surgem as primeiras vibrações, mais evidentes por se tratar de um motor que serve de elemento portante e não ter mais pontos de apoio com sinoblocos. Formigueiro sensível apenas nos poisa-pés num momento inicial para, com o subir do regime, se prolongar aos punhos e banco onde chega por volta das 8000 rpm. Mas, a esta rotação, em 6.ª velocidade, segue-se já a 160 km/h! E, sublinhe-se, que é possível acelerar desde os 40 km/h na relação mais alta da suave e precisa caixa de velocidades. Mas que, por ter relações curtas, obriga a maior recurso à embraiagem em percursos urbanos.

Posto isto, agora sim. Espaço para o prometido resultado da colaboração global, para o somatório da diversidade de origens dos componentes. Pois bem, a nota final só pode ser positiva, confirmando que a soma das partes tem, neste caso, reflexo real e direto. Como proposta que se preze para a carta A2 é simples de utilizar e fácil de conduzir, sem complicações eletrónicas, evidenciando grande à vontade em percursos urbanos. E cumpre também como ponto de partida para os aventureiros, permitindo algumas escapadas até praias menos conhecidas e mais afastadas, mesmo aquelas onde só se chega por caminhos de terra batida.

Conte-se ainda com um estilo elegante e intemporal e com uma economia bem interessante, com um investimento inicial (6599 €) acima de alguma concorrência, é certo, mas perfeitamente justificado pela superior qualidade geral e em termos de componentes, até ao consumo, real, de 4,2 L/100 km.

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