As modas de uma vida. Valha-nos Zeus !

Setenta e dois, sim 72 anos de motos (a minha mãe jura que andou na Lambretta do meu avô, na Lousã, já grávida de mim…) fizeram-me passar por muita(s)… moda(s). Nestes últimos anos, após o aparecimento das redes (anti)sociais, essas modas, as modas de uma vida, mudaram de nome e passaram a chamar-se moderniss(ç)es. Tal a baixa qualidade das “tolas influenciadoras”, a quantidade, obscena, de calinadas físicas, intelectuais e de mau gosto, bem como o horripilante português escrito para as descrever e ‘glorificar’!

  • Texto: Mário Campos
  • Fotos: Arquivo MotoX

No entanto, a algumas, “eu, pescador, me confesso!” sucumbi! Portanto não estou completamente ilibado, nem o relato que se segue será isento. Mas como, para além de fazer rir os outros, não me importo de rir de mim próprio, estou perfeitamente à vontade. Privilégios da idade ou libertinagem pecaminosa? Venha o quiabo e escolha!

O lencinho na matrícula

Esta é a mais antiga das modas de que me recordo. O lencinho na traseira da moto, ou na matrícula. Bandeiras portuguesas, lenços do moto clube, panos da cozinha, tudo serviu para embelezar as motos e motorizadas. O mito urbano de que eram para ‘ofuscar’ (leia-se ocultar) a matrícula, foi rapidamente extinto! Era mesmo só decoração.

Um exemplo? Ver uma Honda mini-trail (amarela pois claro), em Góis, com um lençol bordado, pela mãe, a deslizar, qual cauda de vestido de noiva, pelo asfalto. Ainda hoje tenho pesadelos! Sonho que o piso, com a minha moto e o desgraçado do moço da Mini Honda, faz, pela primeira vez na vida, e sem contar, um cavalo de moto.

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Sim, uma vez, mas inadvertidamente! O meu passageiro, lembrou-se de amarrar à (sua) cintura, a bandeira do clube de voleibol lá da terra, e ela adejava, perigosamente como se fosse um lencinho, perto da matrícula e da roda traseira.

Moral da história: “Enquanto uns (ch)oram, outros vendem lenços”!

Capacetes de equitação!

Bordeaux, verde inglês, negro mate, rosa-choque, sempre em veludo, com as orelhinhas de fora, e uma mini pala, foram um “must have” para a maioria dos motociclistas, utilizadores de dois modelos, da mesma marca de motos, japonesa. Houve agentes da autoridade, que muito penaram, a procurar o selo da aprovação DGV.

Um exemplo? Ao abrir-se a generosa top-case (integrada) de um desses modelos, de um companheiro de viagem, vi, não um, mas quatro (sim 4!!!)  capacetes destes! Um de cada cor!

A minha curiosidade foi rapidamente satisfeita: “A moça que eu convidar para dar uma volta, pode escolher a cor mais condizente com o seu vestuário”.

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda?

Sim, mas… pouco. É que um suposto capacete destes que me ofereceram, como sendo de equitação, afinal era mas é de ciclismo. Não era de veludo, mas sim de plástico…!

Moral da história: “Capacete adequado, vestido invejado” !

Autocolantes na matrícula

Fatos Dainese de 120 contos (o Euro ainda estava muito longe), capacetes Arai Giga de 70 contos, jantaradas no Gambrinus! Mas na manhã do passeio de motos (com as exclusivas RC, 916, YB8 etc ) havia o ritual de colar alguns autocolantes, numa qualquer estação de serviço da autoestrada, antes do pórtico de saída. Normalmente, Via Verde. O mito urbano de que era para passar sem pagar, a 197 kms/hora, rapidamente se esfumou. Eram apenas, e quase sempre, testes ‘aerodinâmicos’ quer dos autocolantes, quer das chapas de matrícula (semi)dobradas.

Um exemplo? Parei uma vez na berma da autoestrada, ao ver um capacete no chão, e o moço de joelhos a mexer na moto. À minha pergunta se precisava de ajuda, o sorriso meio amarelo, meio zombeteiro, mostrando o colante da Bardhall, já meio colado por cima da matrícula, foi elucidativo!

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Sim! Colei, uma vez, um autocolante dos Bombeiros Voluntários de Vila Real de Santo António, num desfile/parada de angariação de donativos, para os ditos (os bombeiros, claro). Como a moto era nova e não tive a coragem de o colar (por receio de danos) na pintura, colei-o no guarda lamas traseiro, por baixo da matrícula.

Moral da história: “Colantes na matrícula, sem problemas na vesícula (versão mais erudita do ditado mais popular: “O que é preciso é ter estômago)”.

O pucarinho de alumínio

De todos os tamanhos, de todas as fundições, com ou sem pega, mas sempre com corrente. É o pucarinho de metal brilhante, pendurado com uma corrente no cinto das calças ou num botão do colete. Quase sempre a dar a dar, no ar, consoante o andar, mais ou menos ébrio de alguns (repito: de alguns…) portadores/as.

Um exemplo? Eu mesmo! Uma vez ofereceram-me num passeio de um motoclube, e, não tendo onde o colocar, prendi-o no punho da embraiagem. Como os moços das custom fazem com as tirinhas de couro. Retirei-o rapidinho, porque esvoaçava, qual andorinha no desassossego da primavera, contra o depósito da naked. Não existe qualquer mito associado a este costume, pelo que, afinal, deverá ser o mais inócuo de todos.

Está ainda na minha cozinha e serve, muitas vezes, como “medida” (generosa!) do gin. A minha mulher também tem um e plantou-lhe um arbusto de framboesas.

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Se já chegou aqui, já sabe a resposta…

Moral da história: “Uma moto e um pucarinho, mas que rico tombinho”!

Andar com as 3 malas na cidade!

Exclusividade de um modelo de uma marca europeia, lançada em 2004, e que hoje domina as tabelas das inscrições, de qualquer passeio moto-turístico. Vê-los parados no transito citadino, a maior parte das vezes porque não passam entre as filas de carros, nos semáforos, é , no mínimo, constrangedor.

Mito urbano: A moto, já de si grande, larga e alta, fica a parecer um tanque de guerra, desviando as atenções do piloto. Triplamente falso! Abordei alguns, com cautela, perguntando se não seria melhor ficarem apenas com a mala top-case, para estes percursos em cidade.

O mito ruiu, estrondosamente, dado que todos me disseram que era estupidamente difícil equilibrar a moto, em andamento e em manobras, sem aqueles apêndices aerodinâmicos.

Um exemplo? Um dos moços tentou mostrar-me o dito efeito, mas não conseguiu, sequer, retirar as malas das armações.

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Sim, numa velhinha Africa Twin, daquelas que estavam baratíssimas e que, de repente, valorizaram para o dobro ou o triplo, depois da nova versão ter reaparecido. Sim, também andei com 3 malas em cidade. Uma mala Louis Vuitton falsa que me apareceu num baú, uma mala da Gucci de homem, também falsa, cheia de contrabando (cigarros SG gigante) e, finalmente, uma mala Hermés (falsa, pois claro!) que tinha recebido à troca por um capacete.

No centro de Vila Franca de Xira, com duas num cotovelo e a outra no outro (cotovelo) consegui engatar uma delas num espelho de uma furgoneta Bedford e esbardalhei-me ao comprido. Jurei a mim mesmo que nunca mais andaria (em cidade) com 3 malas numa moto. 

Moral da história: “De moto, na cidade, com 3 malas? Mais seguro saltar valas”!

Faróis de nevoeiro sempre ligados

Mesmo quando está bom tempo, é uma moda com tendência a generalizar-se! Até as vetustas Deauville 600, foram a correr montar um par de garbosos faróis de nevoeiro. As marcas mais conceituadas são Cibiè, Lucas, Marshall, Wella… Portugal é um País de ‘nevoeiros’ constantes e recorrentes, mas, na estrada? No verão? Na cidade? Sim, por causa do D. Sebastião, e do gosto pela tecnologia /gadgets, da grande maioria (sublinho aqui, da grande maioria…) dos motociclistas portugueses.

Mito urbano: ‘Melhora o aspeto da moto, conferindo-lhe uma modernidade ‘à la teutónica’. É falso! Mais uma vez, um rápido inquérito num domingo de manhã, no Furadouro, revelou que a grande maioria dos utilizadores/colocadores de faróis de nevoeiro nas suas motos que andam permanentemente ligados (sem ser necessário), afinal pretendem apenas ser ‘mais e melhor, vistos’… pelos outros! Nada de vaidade, portanto, apenas segurança, mais segurança na estrada.

Um exemplo? Não arranjei! Não consegui encontrar um único motard(e) na estrada, num dia de verdadeiro nevoeiro, com os faróis instalados e ligados. Continuo na busca.

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Sim e por várias vezes. Por culpa da tal marca teutónica que iniciou a moda, há muitos anos, primeiro na trail e depois na 1150 RT, e depois nas outras todas!

Moral da história: “Faróis de nevoeiro sempre ligados, neurónios desligados”!

Conduzir de pé no centro da cidade

Conduzir de pé na cidade, aos comandos de uma ‘big trail’ em velocidade de… trânsito citadino é um comportamento que tende a generalizar-se. E isto para todas as marcas e modelos de ‘big trails’. O pessoal das trails mais pequenas não faz, porque tem vergonha e porque chegam bem ao chão.

O semáforo cai para vermelho? O moço que vinha a chegar, levanta-se na ‘big trail’ e passa pelos carros parados, de forma ridiculamente triunfal, em posição…“à la Dakar“. Feita a última curva antes do Cabo da Roca, toca de entrar, “triunfalmente” de pé na “big trail“, no meio do pessoal.

Mito urbano: Exalta a vaidade, tipo “olhem para mim, na minha moto grande”. Falso! Rápido inquérito no local (Cabo da Roca) revelou que a grande maioria são condutores de baixa(íssima ) estatura, em motos cujo vidro para-brisas NÃO tem regulação, e que buscam, antecipadamente, o sitio mais favorável (leia-se mais alto) para porem um pé no chão. Ou num meco ou num altinho de terra.

Um exemplo? O mais conhecido foi um belga pequenito, que inventou esta técnica há uns anos. Sim, esse tal de Gaston Rahier.

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Sim, mas não de “big trail“. Fui a Faro (Fuzeta) com um acirrado ataque de hemorróidas, que me impediu de conduzir a CB 400 sentado. Fui sempre de pé, desviando-me das andorinhas, baixando o capacete nos viadutos, cumprimentado, ao mesmo nível, a “canalha” (miudagem no Norte) nas janelas dos autocarros das colónias de férias. Cum catano, foram cerca de 170 kms, desde Alcácer à Fuzeta. No regresso meti a moto na caixa traseira de outra Bedford, enchi o colchão da praia e vim deitado de barriga para baixo.

Moral da história: “Orgulhoso, na ‘big-trail’, em pé? Não é bonito, mas é o que é…”!

Coldre Dainese na coxa direita

O nome técnico é cinturão de perna. Está mais disseminado, no sexo masculino, do que no sexo feminino. Preferencialmente de cor escura, e bem saliente, 

Mito urbano: Dá um aspeto mais viril, tipo Rambo. Falso! Explicaram-me que dá mais jeito para levar os cigarros, o ticket da autoestrada ou os óculos escuros, uma vez que não obriga a retirar as luvas para o abrir em andamento: O que seria necessário se fosse no blusão (‘beluzão’ em Baleizão).

Benelli Leoncino 800 Trail

Sucumbi ou não sucumbi, a esta moda? Muitas vezes! Não com um, mas com dois (coldres). Não com cigarros, mas sim com fulminantes…

Moral da história: “Cinturão de perna Dainese? Almoço de maionese…”!

Ultrapassagem pela direita em cidade

Generalizada hoje em dia, nos moços motard(es) das mochilas verde da Luberfits ou das mochilas amarelas da Gnomo. Moderniss(ç)e importada de países mais civilizados (Trangladesh, Bri Lanka, Cakistan), foi rapidamente adoptada por uma grande parte dos outros motard(es) nas grandes cidades portuguesas. É vê-los serpentear pela direita, chegando à frente dos carros e mudando de direção sem assinalar ou sinalizar a manobra.

Mito urbano: Nos países deles é assim! Imagens do Youtube, dos grandes cruzamentos nas cidades desses países mostram inequivocamente que é falso! Após discreto inquérito aos poucos que falavam português descobri que conduzem dessa maneira porque, no final de um dia inteiro de trabalho, conseguem, em média, fazer mais meia entrega. Em 2 dias, mais uma entrega completa. Uma entrega e meia em 3 dias. Ou em 4 dias, mais duas entregas completas!

Moral da história: “Luberfits pela direita? Ai, se o carro te estreita”!

Já chega. Estou derreado, e envergonhado.

Vou à top-case da minha moto (onde tenho colado um cãozinho castanho, daqueles que abanam a cabeça, e que eram vulgares nas chapeleiras dos carros nos anos 70), buscar um Favaios, para beber em casa, no meu pucarinho. Aproveito e colo o autocolante da Penélope, que me deram em Bebidorme, no guarda-lamas traseiro. Em seguida fumo um magnífico SG Gigante (embalagem vermelha) acendido pelo meu isqueiro Zippo, com uma enorme águia, em relevo.

“Este gajo é chanfrado? Sim, mas não há perigo, porque está descontinuado…”!

Bibliografia: Os ditados portugueses mencionados no texto, foram retirados do livro “Ditados portugueses? Sim, às vezes!”, por mim escrito, mas nunca editado, porque o queriam fazer, ao abrigo do novo (des)acordo ortográfico.

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