O encerramento do Mundial de Superbike coincidiu com a despedida de vários pilotos, que rumam a novas equipas, havendo outros que ainda não sabem se terão lugar na grelha de 2024.
Alguns promovidos a equipas oficiais, outros despromovidos para equipas satélite e outros ainda que trocarão apenas de cores e emblemas.
As emoções andaram à solta no fim-de-semana de Jerez de la Frontera.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK e Fernando Pedrinho

Ainda danado pela vitória que viu fugir na secretaria, Toprak Razgatlioglu guardava a mágoa de ver a equipa com que se sagrou campeão mundial negar-lhe a oportunidade de testar a M1000RR oficial da BMW Motorrad já esta semana. Ainda assim, o guerreiro turco não escondia a gratidão à equipa azul, que o recolheu após a zanga entre o seu ‘manager’ e ex-campeão mundial de supersport, Kenan Sofuoglu, e a Kawasaki, quando a casa de Akashi se negou a deixar Toprak entrar em pista nas Oito Horas de Suzuka, ao lado de Jonathan Rea e Alex Lowes, optando pelo mais experiente, mas também mais lento, Leon Haslam.

“Após quatro anos com a Yamaha ficam apenas boas memórias”, revelou com a sua calma habitual. “Ganhámos muitas corridas e o mundial [o primeiro título alcançado pela marca dos três diapasões desde o triunfo de Ben Spies, em 2009, e de construtores, em 2007] em 2021, mas agora acabou. Ao fim de dois anos senti-me muito confortável e bem-vindo no seio da equipa. São pessoas incríveis e senti-me parte da família Yamaha. Por vezes fiquei zangado, por coisas que se passaram, mas foi muito positivo todo este tempo que passámos juntos”.

“Não vou ficar para ver os testes e regresso à Turquia de imediato”, disse. “É verdade que existe um contrato para cumprir, mas esperava que a Yamaha alegasse as boas memórias, muitas vitórias, o campeonato mundial ao fim de tanto tempo de jejum, e me libertasse para poder testar de imediato. O Andrea [Dosoli, diretor de competição de velocidade da Yamaha Motor Europe] disse-me ontem que temos um contrato firmado e que o melhor é respeitá-lo até ao fim. Sempre respeitei a Yamaha e nunca vou mudar esta atitude, pela minha personalidade que todos conhecem. Mas não vejo o mesmo respeito da marca para comigo, por isso, fiquemos com as boas memórias. Não há problema e cá estarei em dezembro para os testes”.

Jonathan no adeus à família Kawasaki
“Vai ser um fim de semana complicado”, disse-me Joanthan Rea depois de um dia de treinos livres encurtado para metade e uma inesperada lentidão fruto de inúmeros problemas de afinação. “Não sou muito emotivo, mas a maior emoção foi a tomada de decisão de deixar a equipa. Foi muito difícil. Passei dias após dias em casa, em lágrimas, porque eles [a equipa da Provec e a Kawasaki Racing] são a minha família. O mais estranho vai ser segunda feira, quando realizar que sou piloto de outra equipa. Nessa altura verei a minha ‘família’ e as antigas cores, enquanto eu estarei de azul. É motivante mas muito estranho para a cabeça de um piloto. Quero ter um enorme jantar de despedida com todos eles, porque a Dorna mostrou-me uns vídeos incríveis… às vezes até esqueço o que conseguimos juntos, porque já lá vão três anos desde o final do período em que dominámos este campeonato [durante seis anos]. Caramba, que história impressionante construímos juntos! Na competição tudo passa a correr, de uma corrida para a seguinte, e esquecemos a grandeza destes feitos. Só temos de estar orgulhosos pelo que conseguimos”.

E lágrimas? “Não sou muito emotivo, como te disse, mas não sei… basta que alguém diga as palavras especiais e… Contudo, o tempo é de alegria e celebração. Recebi mensagens eletrónicas de diretores da Kawasaki incríveis. Tenho muito respeito pelo Guim Roda [diretor da Kawasaki Racing Team WorldSBK]”.
E semelhanças com a situação de Marc Márquez [de saída da Honda Repsol para equipa satélite da Gresini Racing]? A chamada do espanhol para Dani Pedrosa, a pedir conselhos… “Eu não liguei a ninguém mas vejo o paralelismo das duas situações”, ripostou. “É uma decisão tomada com a cabeça e o coração. Por vezes, as decisões mais difíceis são as corretas e estou orgulhoso por ter vestido as calças de homenzinho e decidir o correto. Porque seria fácil ficar num ambiente confortável, onde sou amado e estimado. Não te vou negar que falei com alguns elementos da minha equipa e amigos, alguns deles bastante competitivos noutras modalidades, em quem confio. Não conheço super-estrelas como o [Dani] Pedrosa a quem possa telefonar, mas todos eles entenderam a situação”.

No sábado, o norte-irlandês gracejou mesmo sobre o fato de Andrea Locatelli, que é já o seu colega de equipa, o ter ultrapassado. “Foi perfeito”, gracejou. “Consegui ter uma ‘apresentação’ daquilo que vou enfrentar já na terça-feira”.
No domingo, o ‘grand finale’ ficou comprometido por uma queda, privando a Kawasaki e Jonathan de uma vitória que se antevia desde cedo. “Por várias vezes, esta época, não tivemos moto para competir com as outras. Mas hoje, o Pere [Riba, o seu diretor técnico de há muito] deu-me uma moto que não devia nada às demais, porém fui eu que falhei. Foi, de certa maneira, o retrato da nossa época. Acabámos muitos pontos atrás dos dois da frente”. Humildemente, Jonathan refletiu e disse ter “de melhorar como piloto, mas a Kawasaki, como fabricante, necessita de dar um passo em frente. Tenho a certeza que a equipa vai trabalhar como nunca no defeso, tal como eu, para melhorar”.

E com o seu ingresso na Yamaha, voltaremos a ter de volta o trio maravilha? “Acho que essa afirmação é injusta para o Toprak e para o Álvaro. Eles estão um nível acima do meu. Por isso, tenho encontrar o que fazer para chegar ao nível deles”.
No final, a receção e o banho de abraços da equipa não deixaram Jonathan insensível a tamanha demonstração de carinho e apreço, após oito anos de convivência. “Comecei a sentir a emoção quando dei um abraço ao Arturo [Marcet, mecânico de Jonathan] na grelha. Foi muito duro deixá-lo para trás quando arranquei. Queria dar-lhes um pódio na despedida mas tal não foi possível”.

Michael Ruben Rinaldi é um dos que deixa uma equipa oficial, para voltar a uma equipa satélite da marca de Borgo Panigale. Recorde-se que o natural de Rimini veio para o Mundial de Suprbike pela mão da Aruba.it Ducati, mais concretamente do Junior Team com que se sagrou campeão de Stocksport 1000, precisamente na pista de Jerez, em 2017, automaticamente ao ver o seu colega Leandro Mercado ficar parado na volta de lançamento.
Rinaldi ascendeu à categoria com a mesma equipa, no último ano da Panigale R bicilíndrica, rumando à Barni, de Marco Barnabó, no ano seguinte, somando o segundo ano de aprendizagem sem qualquer pódio. Seria pela mão da equipa de Gianni Ramelllo, capitaneada por Dennis Sachetti, a GoEleven, que em 2020 conseguiu três pódios e a vitória de estreia no Motorland Aragão. No ano seguinte trocou com Chaz Davies para a equipa oficial, ao lado de Scott Redding, e depois Álvaro Bautista. Aí se manteve três anos, onde conquistou quatro vitórias e somou 20 pódios.

Para o ano cede o lugar ao campeão mundial de Superport, Nicolò Bulega, e toma o assento do arqui-rival (que tanto cobiçou o seu lugar na equipa oficial da Ducati), Axel Bassani, na Panigale V4R da MotoCorsa, como já havíamos noticiado no MotoX.pt.
Mas o que sente um piloto ao deixar a equipa oficial, campeã mundial nos dois últimos anos nos contrutores e pilotos. “Para mim, como italiano, estar na equipa oficial da Ducati é algo muito especial”, disse no final de domingo. “Estes três anos de permanência foram incríveis e só posso agradecer à equipa da Aruba.it e à Ducati. Mesmo nos maus momentos fomos sempre uma equipa e nunca deixámos o discurso tóxico permear o grupo. Foi uma jornada que me ajudou a melhorar muito como pessoa e piloto”.

Como sempre, houve gente que capital importância neste percurso oficial do piloto transalpino. “São pessoas importantes para mim e que manterei toda a vida como amigos, muito para além das corridas. Tudo tem um início e fim”, disse melancólico. “A nossa jornada juntos acaba aqui e choro por dentro. Vou sentir saudades de ser um piloto oficial, porque se não és italiano é difícil explicar a profundidade do que é ser piloto de fábrica da Ducati. Mas é tempo de seguir em frente. A nossa relação é mais forte do que nunca e seremos amigos para sempre”.
As lições aprendidas como piloto oficial foram muitas, não escondeu. “Há muito mais gente a observar e comentar o que fazes, mas no fim, és só tu, a tua moto e a tua equipa. Se voltar a uma equipa oficial, vou tentar aliviar a pressão evitando distrações por ‘bocas’ e concentrar-me apenas no trabalho em pista”.

Oettl sem pregar olho
Em contraste com os agradecimentos e memórias dos restantes, foi um Phillip Oettl triste e quase conformado que deparámos na ronda de encerramento do campeonato. Logo na sexta feira, quando rodou em sexto, à frente de muitos nomes sonantes, ao ser cumprimentado pelo feito ripostou. “Não serve de nada se não tens emprego para o próximo ano… O sexto lugar é bom mas é tudo o que posso fazer de momento: mostrar que ainda tenho potencial [para estar na grelha das Superbike]. Atualmente não consigo pregar olho, devo confessar”.
O alemão começou muito bem na Austrália e nas últimas quatro provas chamou as atenções sobre si com um conjunto de resultados sólidos. Se não fosse o meio da época, e tivesse obtido classificações um pouco melhores, talvez a situação fosse outra. “Pois é, mas não o fiz! Tivemos alguns problemas técnicos [o motor partiu um par de vezes por conta de uma peça que deu muitas dores de cabeça à equipa], mas a coisa tornou-se complicada depois de Phillip Island. Devíamos ter feito melhor a partir de Misano, porque a moto estava muito boa, mas cometi alguns erros até Most, tenho de o admitir.

No intervalo de verão fiz trabalho de preparação [mental] e desde então tenho feio um bom trabalho, mas veio tarde de mais. Desde há algumas semanas que sei que o Andrea [Iannone] me vai substituir, ainda que não o entenda, porque a equipa percebe a minha rapidez, mas estou desempregado”. Uma situação algo estranha, como explica o filho do ex-piloto de 125cc, Peter Oettl, “pois apesar de tudo, sinto uma reconfortante sensação de alívio por ter demonstrado aquilo que sou capaz de fazer neste campeonato”.

Não obstante a troca com o ‘maníaco’, a relação de Phillip com a GoEleven é “muito boa! Gostaria de ficar, mas não é possível. Com 27 anos de idade e a forma que estou a demonstrar não deveria estar a passar por esta situação. Não tenho um prazo para deixar de trabalhar numa solução, mas se, em janeiro, aparecer uma oportunidade, não a vou desperdiçar. Mas preferia que fosse hoje”.