Aprilia RS 660. Eletrónica de corrida ajuda a fazer… limoncello
Autor: Paulo Ribeiro
Setembro 6, 2021
Texto: Paulo RibeiroFotos: Pedro Trindade A inovadora cor, um vistoso Acid Gold, é o primeiro sinal de algo que revela traços de forte personalidade. Que encerra uma alma bem diferente do que aparenta. A Aprilia RS 660 é como um extremamente doce ‘limoncello’ que esconde a potência alcoólica por detrás dos açucares que o tornam…


- Texto: Paulo Ribeiro
- Fotos: Pedro Trindade
A inovadora cor, um vistoso Acid Gold, é o primeiro sinal de algo que revela traços de forte personalidade. Que encerra uma alma bem diferente do que aparenta. A Aprilia RS 660 é como um extremamente doce ‘limoncello’ que esconde a potência alcoólica por detrás dos açucares que o tornam tão agradável e aparentemente inofensivo. Se não conhece esta tradicional bebida italiana, saiba aqui como fazê-la…
Ou será este um amarelo da mais pura mostarda, com o seu sabor forte capaz de exaltar os mais recônditos paladares de uma qualquer carne, de um requintado queijo ou das simples batatas fritas? A comparação nem é de todo descabida. Basta olhar esta ‘bella italiana’ como a provocadora que nos incentiva a tirar o máximo proveito de cada troço de estrada. Mais ou menos rápida; mais ou menos recurvada. O segredo? Um motor competente, a ciclística de grande eficácia e uma eletrónica de corrida.

Os traços evidenciam agressividade, é certo, mas a ficha técnica, com os 100 cavalos extraídos de um bloco de dois cilindros paralelos, com 659 cc, deixa no ar a dúvida. Não será demasiado fogo de vista? Não serão números pouco entusiasmantes para uma desportiva criada por uma marca que conta com 54 títulos mundiais de motociclismo. E que depois de vencer nos campeonatos do mundo de Velocidade em 125 cc (20 títulos) e 250 cc (18 cetros); de Superbikes (7 coroas); de Supermoto (7) e de Trial (2), até já faz pódios no Mundial de MotoGP? Vamos lá para estrada, para responder a estas e outras questões…


A matemática de todos os ‘enganos’
Claro que, numa primeira análise, quiçá descontextualizada, podem parecer cifras modestas perante tamanha ousadia estética (existem duas decorações mais discretas, Lava Red e Apex Black), onde os planos se multiplicam criando passagens de ar como se de um secreto labirinto se tratasse. Inspiração óbvia nas corridas, garantindo maior eficácia aerodinâmica, evidenciando um ADN bem conhecido dos produtos que saem das bandas de Noale, que não defrauda quem gosta de visibilidade, quem não se intimida por olhares de luxuriante inveja. Quem assume orgulhosamente a excitação que só uma desportiva pode oferecer.

Longe dos mais de 200 cavalos que são norma entre as superbikes, cada vez mais vocacionadas para os palcos mais seguros, aprisionadas como leões selvagens dentro dos muros dos circuitos, a Aprilia RS 660 é uma fera facilmente domável. Um lobo que se deixa passear de coleira, como o mais afável dos cachorros; um leão que se faz passar por um manso gatinho. Mas que, quando chega a hora, coloca as garras de fora e faz estragos.

Da tranquilidade permitida em cidade, com um motor cuja suavidade é ampliada pelo escalonamento do modo Commute encontrado na eficaz e completa dotação eletrónica, à brutal eficácia em estrada, com o modo Sport a permitir extrair o máximo do bicilíndrico paralelo, sempre em máxima segurança. Passando pelo personalizável modo Individual numa eletrónica que é um luxo, mas, antes de mais, por uma ciclística pensada para todas as exigências.

A começar por um quadro em alumínio, com forma de dupla trave que garante elevada rigidez e prosseguindo até à travagem Brembo, com dois discos de 220 mm diâmetro e pinças radiais. A eficácia – palavra que marcou cada um dos quilómetros deste teste – é nota que ressalta juntamente com uma grande sensibilidade e progressividade. É possível travar em curva, seja aconchegando suavemente os travões para recuperar a trajetória perdida, seja para uma emergência daquelas em que as estradas portuguesas são pródigas. Do trator que decide sair do campo mesmo a meio da curva ou dos ciclistas que insistem em rodar em manada a 15 km/h – que o corpo quase nunca dá para mais! – surgindo como intransponíveis chicanes.

É aí, nesses momentos de disparo cardíaco, que a eletrónica diz presente, com o Cornering ABS a ajudar a baixar o ritmo do coração e recolocar a adrenalina em níveis aceitáveis. A ajuda à travagem em curva é um dos ‘musts’ oferecidos pela unidade de medição inercial (IMU) de seis eixos, esse sistema que, ao longo da última década, foi grande responsável pela meteórica evolução das máquinas de pura competição.

Mas há mais – muito mais! – numa máquina claramente inspirada na Aprilia RSV4. A começar pelo supercompleto pack eletrónico APRC (Aprilia Performance Ride Control) até ao motor, metade do V4 que equipa a superbike, com os pistões de 81 mm de diâmetro. Bloco fácil de utilizar em baixas rotações, com razoável à-vontade em cidade, mas cujo habitat natural são, por excelência, as mais recurvadas estradas.

Preferencialmente de curvas encadeadas, porque a faixa onde este bloco exprime todo o seu potencial está entre as 6000 rotações por minutos e as 11500 rpm do ‘red-line’. Mesmo se a maior dose de entusiasmo surge encaixada entre as 8000 e as 10 450 rpm, onde surge o pico de potência (100 cv), sempre acompanhado por contida, mas omnipresente excitação sonora. Tudo por força da ordem de ignição a 270.º que garante um comportamento e som aparentado com a V2 e que, quando se acelera com vontade, faz recordar um V4. Lugar à imaginação ao pensar no cantar com um escape daqueles…

Trilha que pode servir de excelente fundo musical no momento de apreciar a leveza do conjunto, exponenciada por um motor alegre a subir de rotação, oferecedor de grande sensibilidade e com uma ligação muito direta entre o punho direito e a roda traseira. Ao contrário das atuais superbikes, cuja potência as torna de uso quase proibitivo em estrada aberta, a RS 600 permite aproveitar todos e cada um dos cavalos. Em segurança e (ligeiramente…) menor risco de ficar sem a carta!

Até porque a posição de condução, com os avanços em posição mais elevada, acima da mesa de suspensão, e os poisa-pés não excessivamente altos e colocados mais para trás, garante descontração numa moto que se guia facilmente com os joelhos. Muito confortável dentro do registo desportivo.
Ciclística para andar depressa
O quadro em alumínio (tal como o braço oscilante) é garantia de leveza e rigidez, servindo o motor como elemento portante em conjunto de enorme agilidade e inquestionável estabilidade. As vibrações que se fazem sentir ao nível dos pés desde baixas rotações têm tendência a ser esquecidas (mesmo se os retrovisores insistem em recordá-las…) e o algum peso que ainda recai sobre os pulsos desaparece de forma surpreendente quando se acelera. Tudo ganha uma facilidade desconcertante permitindo andar depressa, bem depressa mesmo, sem aquela sensação de falta de ar em cada curva. Além que a facilidade de transformar por completo o carácter deste bicilíndrico exponencia tudo aquilo que se pede a uma supersport. Que não superdesportiva que esse é todo um outro conceito!

Filosofia que se estende ao amortecimento, com elementos Kayaba ajustáveis em pré-carga e extensão, que mostraram boa afinação de série, pedindo apenas alguns retoques em função do peso do condutor e, não menos importante, da utilização e ritmo preferencial. Pena a ausência do ajuste em compressão que poderia melhorar a capacidade de filtragem inicial dos pequenos buracos e irregularidades que por cá abundam nas estradas nacionais.

Eletrónica de corrida testada em MotoGP
Mas o grande destaque da Aprilia RS 600 vai mesmo para o capítulo eletrónico, com dotação que a coloca entre as grandes. O ponto de partida é essa caixinha mágica que dá pelo nome simplista de IMU, Unidade de Medição Inercial, de seis eixos, cujos acelerómetros e giroscópios, juntamente com dezenas de sensores, permitem não só reconhecer como antecipar os movimentos da moto. Recolhe, analisa e controla dados que vão da velocidade instantânea ao grau de rotação do punho do acelerador, da inclinação à velocidade engrenada. E faz ainda mais, pois não só estuda os dados recolhidos em termos absolutos como ainda faz o cruzamento de informações numa comparação relativa de parâmetros.

Tudo somado e traduzido para português, a moto percebe, em função das rotações lateral, longitudinal e transversal, qual a forma de garantir a máxima segurança sem prejuízo da eficácia e prazer de condução.
Equipamento que permite, desde logo, controlar os 5 modos de condução: três para uso em estrada, do Comutter para a mais serena utilização urbana, ao Dynamic, para condução desportiva em estrada, passando pelo Individual que permite a personalização absoluta de todas as possibilidades: e mais dois para condução em pista, o Challenge e o Time Attack, espécie de convite despudorado aos mais afoitos aspirantes a pilotos de MotoGP.



Modos que ajustam a entrega de potência e o nível de intervenção do efeito de travão motor, mas também o controlo de tração e o anti cavalinho, além de permitirem a adoção do ‘cruise-control’ (numa desportiva?…) e do muito prático e eficaz ‘quick-shift’ de duplo sentido. Desde que a rotação seja suficiente, a passagem de caixa sem desacelerar e sem utilizar embraiagem é extremamente rápida e fácil, tirando o máximo partido de uma caixa de relações curtas, exponenciando a bem cheia curva de binário. Note-se que, segundo a Aprilia, 80% do binário está disponível desde as 4000 rpm o que, além de garantir mais tração em todas as circunstâncias e uma condução facilitada, permite ainda, na prática, rodar em 6.ª desde os 50 km/h até aos duzen… O que pudemos confirmar em estrada, essa facilidade.

Outra das enormes vantagens de toda esta eletrónica embarcada dá pelo nome de ‘cornering ABS’, sistema que otimiza a travagem e o funcionamento do anti bloqueio ao medir de forma constante a aceleração lateral, a pressão exercida na manete de travão ou os ângulos de inclinação lateral, longitudinal e a rotação da moto sobre um vertical, e modulando a ação dos travões. Na prática, quando sente que a há possibilidade de queda (cruzando todas as informações) o sistema liberta a travagem por uma fração de segundo de modo a evitar a queda. Tempo que não é suficiente para aquela que seria a reação física imediata, de ver a moto sair para o lado de fora da curva por efeito das forças centrípetas já que, no instante seguinte, volta a pressionar as 4 pastilhas das pinças radiais Brembo de encontra aos discos de 320 mm de diâmetro.

Com 183 kg com depósito cheio, a Aprilia RS 660 tem físico atlético, mais próximo de uma 400 cc do que das 600 cc quatro-em-linha, com peso bem distribuído e uma altura do banco (820 mm) que permite encontrar bom espaço para as pernas de todos os condutores. Mesmo dos mais altos.

Igual para todos será a comodidade dos comandos, de utilização simples, com botão Mode do lado direito, junto ao Start, enquanto do lado esquerdo quatro botões permitem controlar todas as funções do completo menu apresentado no painel TFT a cores. Incluindo, naturalmente, o ajuste dos modos de pista desta verdadeira eletrónica de corrida (Challenge e Time Attack), com possibilidade de opção dentre 8 níveis de controlo de travão motor ou das 3 possibilidades de resposta do acelerador.

Em suma, uma oferta ímpar no segmento desportivo de máquina que garante boa capacidade… turística. Uma supersport que apresenta ainda outro trunfo de peso: o preço Aprilia RS 660 (11 650 €) é cerca de metade da RSV4 e bastante menos quando pensamos numa RSV4 Factory ou na maioria das superbikes existentes no mercado. E isto sem esquecer que as exigências serão menores, em sentido inversamente proporcional à possibilidade de tirar o máximo partido numa condução divertida.
Ahhh… E já sabe, se conduzir não beba. Deixe o ‘limoncello’ para mais tarde
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