Álvaro Bautista encontra-se em plena escalada de montanha. A mudança de regras e o incidente na pré-época foram traumáticas para o piloto espanhol. Sem a rapidez proverbial que o caracterizou nos dois últimos anos, poderá Álvaro fazer valer a sua experiência? O tri, para já, parece estar fora de alcance para o bi-campeão mundial, enquanto o seu companheiro de equipa, Nicolò Bulega está nas nuvens.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK e Fernando Pedrinho
Parecia ser apenas uma ‘inocente’ queda com a Desmosedici GP23. Estávamos ainda em Novembro e Álvaro Bautista preparava a sua ida à Malásia. Era o prémio da Ducati Corse por ter revalidado o título de pilotos no Mundial de Superbike. Na última curva do circuito de Jerez de la Frontera, ao passar sobre uma mancha de humidade, o natural de Talavera de la Reina caiu. Longe estava de saber que uma vértebra havia sido tocada e lhe provocaria um calvário que perdurou até há pouco.
Além disso, Panigale V4R ficou mais pesada. Fruto dos novos regulamentos, que combinam o peso do piloto e da sua moto. O seu desconforto com a moto italiana foi patente durante toda a pré-época. Álvaro está mais lento. Tem menos velocidade pura. Perdeu a margem dominadora que tinha antes. A experiência continua lá, mas agora tem de voltar a subir a montanha. Embora não se assemelhe, nem de perto, no calvário que viveu na Honda.
“Um ‘feeling’ de m…”
Na primeira corrida de Barcelona viu-se forçado a ‘trepar’ onze lugares para chegar ao pódio. Foi uma prova de paciência e uma corrida feita no braço. O piloto da Aruba.it Ducati agora tem de arregaçar as mangas. Já não é o favorito. E o pior de tudo: o seu companheiro de equipa escapa-se lá na frente. Sem erros! E até o seu arqui-rival, Toprak Razgatlioglu, se encarregou de mostrar a todos que a BMW M1000RR é uma moto ganhadora.
“As sensações que tenho com a moto ainda são uma m…, como aconteceu na sexta de manhã”, disse Álvaro. “Não consigo pilotar como quero. É certo que a pista estava algo suja e sem aderência, mas… pfff! Aconteceu o mesmo nos testes de pré-temporada e na Austrália. Não consigo forçar a moto a girar como fazia nas duas épocas anteriores. E não sei o porquê, já que a moto é a mesma. Está mais pesada mas, basicamente, é a mesma”.
Obviamente, a equipa tem mexido na afinação base da moto, à procura de soluções. “Curiosamente, temos andado numa direção que é semelhante a configuração da moto de 2022”, disse com um expressivo sorriso. Tal alteração surtiu um efeito muito positivo. “Logo desde a primeira volta senti que posso forçar a moto a virar. Ficou o dia da noite! A FP2 foi a primeira vez que consegui pilotar a moto como quero e gosto”.
A importância de uma boa sensação
Assistindo à sua interação com a equipa, a questão do equilíbrio da moto era evidente. Os gestos partilhados com Giulio Nava, o seu diretor de equipa, Fausto Ghafar, engenheiro de eletrónica, e Fabrizio Longhini, chefe de mecânicos, era evidente. “Sim, durante todo este tempo a minha dificuldade tem sido virar a moto e ter tração. Tentava explicar-lhes quais eram as minhas sensações com a moto. Esta estava sempre mal posicionada para curvar ou para gerar tração. Eu preciso que a moto se posicione de uma forma que me pemita virá-la com a força do meu corpo. Antes desta alteração era impossível!”.
Ainda assim, Álvaro Bautista conseguiu ser constante nos tempos por volta, a tentar encontrar o melhor ritmo de corrida. “As voltas rápidas são uma consequência de um bom conjunto [para girar rápido, nem que seja por uma volta]. Para mim, o mais importante é poder pilotar como quero! Só assim é fácil alcançar um bom ritmo. Por isso te digo que, mais importante que isso, é o ‘feeling’ com a moto. Só assim consegui tempos melhores e mais consistentes na sexta feira, que nos testes da semana anterior”, explicou. “Mas repara que o meu colega de equipa [Nicolò Bulega] foi consistentemente mais rápido do que eu [e todos os outros]”.
A ‘montanha’ para escalar
Uma boa notícia é que a lesão contraida há quase cinco meses está quase debelada. “Para pilotar uma moto estou a 100%”, confidenciou. “O pior sucede quando me deito e os músculos descontraem. Dói-me aqui [apontando para os ombros].
Porém, como se viu na Austrália e em Barcelona, Bautista perdeu velocidade. O resto do pelotão subiu o ritmo e a qualificação entre os três primeiros deixou de estar garantida. Álvaro agora pode deslizar para a terceira ou quarta linha. O que o obriga a trepar o ‘Monte Everest’ em cada corrida. Agora são corridas de paciência e de arregaçar as mangas. Esperar o momento certo para passar cada adversário. Aguardar que os seus pneus traseiros se degradem ou cometam erros de pilotagem. Duro, muito duro mentalmente para quem viveu dois anos de uma notável hegemonia.
Para piorar as coisas, a direção de prova decidiu baixá-lo três posições na grelha para a corrida para a corrida de Superpole, alegadamente por seguir mais de dez segundos em ritmo lento. “Mas como posso ser penalizado se não havia ninguém em pista”, respondeu esganiçando a voz. “O [Nicolò] disse-me que não o estorvei e que nem sequer estava numa volta rápida”. Isso relegou-o para a quinta linha da grelha.
O problema de seguir na ‘molhada’
Voltando à corrida, Álvaro manteve sempre o mesmo ritmo de corrida, girando entre 1’42” e 1’43”. “Como já te tinha dito, esta pista é muito dura para os pneus”, justificou. “No início tentei o maior número de pilotos, mas não podia puxar muito pelo ritmo pois arriscava ficar sem pneus para o fim da corrida. Tentei ultrapassar sempre de forma segura. Já não consigo passar nas retas como anteriromente. Por isso tive de procurar pontos alternativos. E tive de salvar a frente algumas vezes”.
Ter pilotos pela frente provoca um problema que é bem conhecido do MotoGP. Como estas motos libertam imenso calor, o pneu dianteiro da moto que as sucede aquece demasiado. “O pneu ganha pressão e perde aderência, como consequência. Só quando não tive ninguém pela frente é que consegui fazer as minhas trajetórias. Atrás dos outros é completamente diferente”.
E este é um dos problemas da falta de rapidez e consequente menos boa qualificação. “Quando sais na frente, tens a pista ‘limpa’ diante de ti e podes descrever as tuas linhas. Quando sais de trás tens de trabalhar mais, tal como o pneu dianteiro e toda a moto. Sacrificas algumas trajetórias e é tudo mais arriscado. Estou contente com a minha corrida [que lhe valeu o terceiro lugar], mas ainda não estou no meu melhor nível”, confessou.
O SCX de desenvolvimento
Tal como Nicolò Bulega ou Andrea Iannone, Álvaro optou pelo pneu super macio de desenvolvimento, o SCX C900, ao contrário das BMW ou Yamaha oficiais, por exemplo. “Na sexta feira não notei grande diferença entre este pneu e o SCX standard. Assim arranquei para a volta de apresentação da corrida com um SCX, para ver se notava algo de diferente”. Mas, já na grelha, a equipa montou o C900 na roda traseira. “O problema do SCX é que faz com que a traseira comece a mexer ao fim de quatro ou cinco voltas”, explicou, “causando alguma instabilidade”.
Álvaro igualou o seu melhor tempo no Barcelona-Catalunha. O problema é que muitos outros pilotos conseguiram subir o ritmo. “Obviamente não corresponde ao nível de prestações que alcançava no passado”, anuiu. “Ainda não sinto que eu e a moto sejamos uma peça única. Atualmente, eu penso uma coisa e a moto decide outra. Temos de ‘concordar’ em ir apenas numa direção”.
O peso extra não justifica tanta perda de rendimento
Este aparente desnorte parecia resolvido na sexta feira. Afinal, foi apenas um progresso relativo. “O peso adicional não pode ser justificação e, sinceramente, não sei porque isto sucede. O Giulio [Nava) e os restantes engenheiros da Ducati andam às voltas para perceber as razões. A moto é a mesma, com algum peso extra. Temos de descobrir a causa de raíz. Vais ver que se deve a um detalhe de m… mas cuja repercussão é enorme. Quando acharmos a solução terei a confiança para forçar o ritmo e os resultados voltarão a aparecer”.
Não obstante toda esta aparente miséria, Bautista ‘trepou’ até ao pódio. “E estou contente por isso. Tal como pelo ritmo de corrida desta esta manhã”. Apesar de ter sido relegado três lugares na grelha de partida por, alegadamente, ter rolado lentamente em pista na qualificação. “Mas, como já disse antes, o que quero é reganhar o ‘feeling’ que já tive [com a Panigale V4R]. Atualmente não o tenho. Isto é, não consigo fazer da moto aquilo que quero. Aliás é isso que me preocupa. Não a posição na classificação ou a rapidez”.
Em conclusão, esta vai ser uma época claramente bem mais complicada que o habitual para o castelhano-manchego.