Os privilegiados que tiveram oportunidade de andar no traçado do Autódromo Internacional do Algarve dificilmente deixam de alucinar perante os desafios colocados pelo mesmo para quem pretende andar cada vez mais depressa.
As constantes subidas e descidas, com curvas cegas e outras feitas muito depressa, fazem do AIA uma autêntica pista de motocrosse asfaltada. Os pilotos com quem falámos dizem-nos como é levar uma Superbike pela montanha-russa algarvia.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK, Polarity Photo e Fernando Pedrinho
“Se há pista onde temos alguma hipótese de reduzir a diferença que nos separa do líder do campeonato é aqui em Portimão”, disse-me Jonathan Rea, o terceiro classificado do mundial na entrada para a sétima ronda do mundial de SBK. “É um traçado que adoro e onde me sinto muito forte, mas isso não significa que os outros também não vão andar rápido. Espero que o Álvaro [Bautista] seja veloz, tal como o foi em 2019, em que venceu a segunda corrida. A sua moto evoluiu e ele também melhorou a sua pilotagem. O Toprak foi rápido no ano passado, mas quero ganhar [Jonathan já não vence desde o Estoril]. O maior problema vai ser a desvantagem que temos nas retas”.
Pista de compromisso
“O AIA fez um trabalho muito bom na reasfaltagem, eliminando as bossas que havia antes das curva cinco e na curva sete, onde a mudança de direção podia ser desastrosa”, dizia-me Jonthan Rea. “Ainda há zonas com o asfalto irregular como antes da curva 13. Por isso necessitas de uma moto cuja suspensão seja capaz de absorver estes ressaltos do asfalto e que curve bem ao longo das ondulações da pista.
Mas tem de ser rígida o suficiente para lidar com a primeira curva, porque a moto agacha imenso. E a saída da Craig Jones é quase como se batesses contra uma parede, pois não podes fazer nada contra a compressão a que a suspensão é submetida à saída da curva. É uma pista de compromisso. Não podes afinar a moto para a primeira curva, mas necessitas que ele trave forte para as ultrapassagens e para as curvas um, cinco e treze”.
Agressividade não paga dividendos
Uma pilotagem agressiva não parece ser a receita para se andar rápido no AIA. “Aqui não dá!”, continou o norte-irlandês. “Tens de ‘massajar’ a moto para evitar que saia sempre em cavalinho, porque é o que ela quer fazer todo o tempo. Estas motos têm tanta potência que não podemos utilizar todo o seu potencial em primeira e segunda velocidades. Por isso tens de deslocar o teu corpo para a frente para compensar a carga que a moto coloca na traseira. Facto que torna a condução muito física: travagem, posicionamento do corpo, gestão do acelerador. Mas tens de andar para frente, ao mesmo tempo. Na zona do miolo, passo primeira, segunda, terceira e meto quarta na descida. Por isso, não é tanto uma pista de afinação da moto, mas onde o piloto pode fazer mais para ser rápido. Quanto menos agressivo fores, mais rápido vais andar.”
É claro que necessitas sempre de uma boa moto para vencer, mas o piloto faz a diferença em Portimão. E não posso falar em diversão, porque isso só acresce quando tens um bom tempo por volta ou sobes ao pódio. Mas não é uma pista aborrecida como Misano. Aqui é muito difícil fazer a volta perfeita e acho que todos os pilotos saem com a sensação que poderiam ter sempre melhorado num ou noutro ponto quando fazem a sua melhor volta da sessão de treinos ou da corrida. É tão técnica!”
Gestão de pneus menos problemática
Para o seis vezes campeão mundial de SBK, a gestão de pneus no AIA não é tão problemática como em Barcelona, por exemplo. “Barcelona, tal como Phillip Island, é outra história. É claro que não podes derreter o pneu traseiro na última curva da primeira volta, mas aqui podes puxar pelos pneus durante toda a corrida. Ao contrário de Barcelona , onde nas curvas 3 e 4 parece que estás num ‘track-day’, porque tens de conservar os pneus para vinte voltas.
Vai haver uma perda de rendimento do pneu dianteiro, em algum ponto da corrida, sobretudo no flanco direito, que é muito castigado nas curvas 1 e 3. Assim, a corrida deverá ser mais rápida que a do ano passado, com muitas voltas no segundo 41 e alguma agressividade à mistura. Trata-se de um circuito onde é muito complicado ultrapassar e a expectativa é que o Álvaro saia na frente pela vantagem que tem nas retas. O Toprak também fará tudo ao seu alcance e esta é a única tática para lidar com o Bautista.
Não tem pontos de travagem forte
Toprak Razgatlioglu foi o único a rodar no segundo 40, brindando Jonathan Rea, o segundo classificado, com quase meio segundo de vantagem. O que deixou toda a gente de boa aberta. Depois, fez mais uma das acrobacias, em pisa, que vos damos conta noutro artigo e, à minha frente, não se coibiu de fazer um flic flac com mortal à retaguarda, ao ponto de Álvaro Bautista dizer que o turco ainda é jovem e não sofre de lesões. “Gosto muito do AIA, mas trabalhámos essencialmente para a corrida. A qualificação neste traçado é importantíssima se queremos aspirar a um bom resultado no sábado e domingo”, dizia-me o piloto da Pata Yamaha by Brixx. “Portimão não tem pontos de grandes travagens, a primeira curva é antecedida de uma descida onde eu não aperto tanto a manete de travagem, como noutras curvas noutras pistas”.
A desvantagem de ser baixo e leve
Álvaro Bautista não espera um nível de desempenho no AIA como o demonstrado em Barcelona. “Conheço muito bem Montmeló, corri lá muitas vezes em MotoGP e é uma pista em que tens de gerir todos os pontos, desde os pneus à eletrónica, por isso julgo ter alguma vantagem. Em Portimão é diferente. O Jonathan é o mais experiente de todos e acho que será sempre o favorito para a vitória, sem esquecer o Toprak, que tem na Yamaha a moto mais fácil de levar nesta pista. Tenho de me defender da melhor forma, mas sou o menos favorito dos três”.
Perante a esperada vantagem da Panigale V4R na reta de Portimão, o pequeno talaverano ripostou de imediato: “Eles nunca falam da vantagem de serem mais altos e pesados, que nesta pista lhes permite colocar mais peso à frente quando a moto levanta a roda dianteira. Eu faço o que posso mas eles levam vantagem na zona mais ondulada do circuito. Contudo, sou mais leve, o que beneficia a aceleração, mas perco nas zonas fisicamente mais exigentes”.
Superbike ou MotoGP
Iker Lecuona está bem posicionado para comparar como é levar uma Superbike ou uma MotoGP no traçado da AIA. “Esta pista é uma loucura com todas estas elevações”, disse o piloto do Team HRC, “e na qual necessitas de pilotar de uma forma muito suave e controlada. Não podes sair como um selvagem”.
Mas então: MotoGP ou SBK? (silêncio) “São situações diferentes. Por exemplo, a entrada na reta da meta é mais fácil na MotoGP porque utilizas o sistema de correção de altura para baixar a traseira e gerir o cavalinho. Por outro lado, a Superbike é mais divertida de pilotar, porque é mais fácil de levar, é mais flexível, e permite alterar a trajetória sem perder muto tempo. Ao contrário da MotoGP, que se passares meio metro ao lado… já foste! Nesta, e em todas as outras pistas, uma Superbike é mais divertida de pilotar”.
De Madrid a Portimão de BMW K1600GT
Foram 800 quilómetros redondinhos de Madrid ao AIA numa K1600GT da BMW Ibérica (‘gracias’, Carmen!). Como seria de esperar, foi uma viagem feita com muita facilidade aproveitando as características estradistas e turísticas da seis em linha da casa de Munique.
Com uma média de 128 km/h, o consumo foi de 6,6 litros por cada 100 quilómetros percorridos, com total conforto e proteção aos elementos, acompanhado do ‘cantar’ do motor fracionado desta alemã, em muito a fazer lembrar o troar dos saudosos 635 CSI das corridas de turismo e silhueta.