
De uma forma documentada, fomos os primeiros a percorrer a estrada nacional da moda numa moto elétrica.
Em apenas dois dias úteis, ligámos Chaves a Faro, algo que seria impensável se não tivéssemos utilizado uma das melhores elétricas que o dinheiro pode comprar.
E de tal modo, que na chegada à capital da província mais meridional de Portugal, a 18 de agosto, ainda nos metemos ao caminho para voltar para Espinho.
Uma experiência que voltaríamos a repetir sem hesitações e abriu-nos as portas da eletrificação ao mototurismo. Afinal, é possível!
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: Fernando Pedrinho e Gil Martins
A ideia já andava no ar há algum tempo. “Descer” a N2 e percorrer a, porventura, estrada mais badalada do “retângulo” nacional, não só cá dentro, mas também lá fora.
Alguns amigos já haviam dito querer associar-se a este projeto para a época de estio, mas a complexidade de agendas fez com que fossemos apenas dois. Na verdade, já havia prometido ao meu rapaz – que se encontra lá fora a ganhar a vida como engenheiro de desenvolvimento de um carro superdesportivo, de motor V12 atmosférico e projetado pela equipa de um renomado ex-engenheiro de Fórmula 1, radicado de há muito em Inglaterra – que o faríamos numa próxima oportunidade.

O fator “complicar o que é simples”
Porém, há quem goste de tornar o que é fácil numa tarefa mais complicada, colocando a si próprio desafios a que a maior parte torceria o sobrolho. Encontro-me nesse grupo, não sei se pelo avançar da idade, ou se por outra distorção de personalidade, em particular no que toca às duas rodas.
Desta forma, foi assim que surgiu a ideia luminosa de descer a N2 com duas motos movidas a eletrões. O problema é que teríamos um prazo muito curto para o fazer, pois o Gil tinha um casamento no fim de semana e eu só poderia recolher as motos quatro dias antes do dia da partida.
Mas nem tudo era mau. Na verdade, a possibilidade de rolar numa das melhores motos elétricas que o dinheiro pode comprar, com malas e tudo, dava lugar a um sorriso de orelha a orelha e uma agradável sensação de otimismo. A Energica Experia é uma ‘cross over’ com ar de maxi-trail mas montada numa ciclística desportiva exclusivamente para estrada.
Contudo, a segunda moto, de uma outra marca bem conhecida, acabou por não ficar disponível, pelo que nos salvou a Suzuki Burgman 650 do sogro. Ou seja, o futuro antecipado por muitos, lado-a-lado com uma tecnologia de motorização com mais de cem anos de existência.

Um mundo de novidades
A minha experiência com elétricas resumia-se a percursos citadinos e interurbanos. E se num dia fiz perto de 200 quilómetros com uma elétrica, com um carregamento pelo meio de várias horas, acho que tal ‘feito’ era o meu recorde até à data.
A possibilidade de passar algum tempo com o modelo que a marca italiana denomina de “Turística Verde”, ou Green Tourer como exibe nas carenagens, iria permitir-me rolar por muito mais tempo num ambiente totalmente distinto, capaz de “assustar” a mais audaciosa das elétricas. Por outro lado, havia ainda a possibilidade de validar a rede elétrica de postos de carregamento públicos, uma vez que a Experia permite “alimentar” a sua gigantesca bateria num posto de carregamento rápido, reduzindo de forma substancial o tempo necessário para a operação. Este aspeto, o tempo de carregamento, constitui o maior óbice à versatilidade de uma moto elétrica, o que as deixa, normalmente, circunscritas ao ambiente citadino.


Planeamento Militar
Já sabia de antemão que esta “descida eletrificada” da Estrada Nacional 2 iria obrigar a um planeamento militar. Isto porque que haveria que entender a autonomia disponível em função do andamento adotado e dos postos de carregamento que poderíamos utilizar ao longo do percurso. De preferência, com o mínimo de desvios do itinerário principal.
Convirá realçar que a escolha da Energica não surgiu por acaso. Na verdade, já havia desafiado o João Nuno Cruz, diretor comercial da Moteo (importador nacional da marca sedeada em Modena) para algo ainda mais espetacular e mediático. O receio de uma autonomia insuficiente levou a que se agendasse a “aventura” para algo mais tranquilo em termos de pressão logística.
E lá chegou a segunda metade de agosto, com a perspetiva de uns dias de canícula que, por sorte, não se concretizaram em pleno. Mas havia ainda outra dificuldade pela frente…


N2 em contra-relógio?
O já referido compromisso com o enlace no final de semana, levava a que tivéssemos apenas três dias para uma volta de quase 2.000 quilómetros, já que a partida para o ponto de arranque se faria de São Félix da Marinha.
A saída numa quarta-feira com céu nublado, até Chaves e com os eletrões a ‘tope’, iriam ser a primeira prova de fogo da Energica e dariam o mote para o resto da viagem. Isto porque os cerca de 180 quilómetros que separam as duas cidades seriam efetuados integralmente por auto-estrada, pois a ideia era arrancar a seguir ao almoço para a N2 e ir dormir já lá para os lados de Viseu.
O certo é que a Energica conseguiu chegar a Chaves com apenas uma carga, rolando a 120 km/h na primeira metade do percurso. O problema é que quando “atacámos” a Serra do Marão, a autonomia disponível – exibida no painel de instrumentos – começou a baixar de uma forma tal que seria impossível chegar ao destino flaviense sem encontrar um local de carregamento. Para complicar tudo ainda mais, as estações de serviço ao longo da A24 não estão ainda adaptadas a esta realidade mais urbana e não me restou solução que não fosse adaptar o andamento para manter uma ‘almofada’ de uns escassos 10 quilómetros de autonomia.
O certo é que acabou por dar, e vencido o desafio orográfico foi sempre a regenerar até à antiga Aqua Flaviae.
À procura de ‘vitaminas’
O oitavo mês do ano é de festa por todas as terrinhas do interior e de regresso dos emigrantes, ou dos seus descendentes, às origens. Particularmente em Trás-os-Montes, acho que metade do parque rodoviário suíço “estaciona” naquela província lusa, passe o exagero.
Dado o bulício que se vivia em Chaves, não foi fácil encontrar onde carregar a Experia. Foi então que começámos a descobrir e a gerir a utilização da rede Mobi.e, a empresa pública que desde 2015 assumiu a responsabilidade da gestão e monitorização da rede de postos de carregamento elétricos.
Nela podemos ver, basicamente, a localização, número de carregadores, potência de carregamento, tipo de tomada e a disponibilidade momentânea.
A possibilidade de utilizar o ‘cartão mágico’ de um dos parceiros da Mobi.E, no caso a EDP, cedido pela Moteo, facilitou de sobremaneira a viagem e evitou que tivéssemos de parar cerca de seis horas para recorrer a uma tomada caseira de 220V e utilizar o carregador para o efeito disponibilizado com a moto.
Afinal, mototurismo com uma elétrica começava a deixar de ser algo quimérico!

Venha de lá a N2
Uma das habituações que criámos foi a de ocupar o tempo, enquanto a bateria da Experia carregava, com algo de produtivo. Em Chaves acabou por coincidir com o almoço, mas ao permitir carregar a 22 kW, a moto feita em Modena permite obter 80% da carga em pouco mais de meia hora. Por isso, ou se come depressa, ou tem-se um pouco mais de folga enquanto nos restantes 20% que faltam para a plenitude de carregamento, a intensidade de carga é reduzida para permitir ao sistema de gestão da bateria (BMS) proceder ao equilíbrio das pilhas e lograr atingir os 100% de carga nominal. Ao todo, contem com cerca de 50 a 60 minutos, se não tiverem muita pressa.
E lá fomos, então, para o quilómetro zero da N2, onde havia mais motociclistas a tirarem foto ao marco de distância e sinais da rotunda, que já não comportam mais espaço para exibir os autocolantes que todos querem lá deixar como marca da sua passagem.




Do Douro Vinhateiro a Viseu
Saímos para a estrada passava bem das duas da tarde com o calor transmontano a fazer suar, embora sem a canícula de dias anteriores, capazes de fazer fritar um ovo no capô de um carro.
Estávamos na estrada e o plano era chegar a Faro na sexta-feira, para regressar à origem no dia seguinte. O Gil tinha previsto ‘atalhar’ para o Estoril, caso a ‘epopeia’ se tornasse mais demorada.
Pedras Salgadas foi o primeiro ponto de destaque, enquanto seguimos de braço dado com o rio Tâmega nesta fase inicial da viagem.
Vila Pouca de Aguiar e Vila Real seguiram-se no trajeto, que daria entrada à parte mais espetacular da N2, indubitavelmente os vales do Douro Vinhateiro que nos levariam até ao Peso da Régua.
Com a temperatura nos 35 graus Celsius, as deliciosas curvas que nos levaram até Santa Marta de Penaguião começaram a revelar as qualidades dinâmicas da Experia, que se atira para as curvas como se não houvesse amanhã.





E numa das descidas, com mais de dois quilómetros, a regeneração de energia foi tal que parei para registar o momento: 500 quilómetros de autonomia. Na verdade, começava a descobrir que a abertura do acelerador – ou a parcimoniosa abertura do mesmo – é fundamental para estender a autonomia desta elétrica. Já o seu fecho, em lugar de travar, permite aproveitar a inércia do veículo para regenerar mais alguns kilowatts que se traduzem em mais uns quilómetros extra no final.

De Trás-os-Montes para a Beira Alta
Estávamos em plena Rota do Vinho do Porto e o sol ainda ia alto quando chegámos a Peso da Régua. Muitas ruas cortadas devido ao ciclismo, lá conseguimos ‘furar’ e passar a ponte sobre o Douro, onde ainda tocámos a Rota do Românico e intersetámos outra estrada nacional espetacular, a N222.
Os primeiros 100 quilómetros ficavam para trás, nove dos quais após termos saído da Régua, e logo chegámos a Lamego, com Dom Miguel, antigo bispo da cidade, a dar as boas-vindas do seu pedestal. Bem gostaríamos de ter subido a escadaria do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, mas o sol começava a baixar e ainda havia algo a percorrer até Viseu.








Sem passaporte
Decidimos, antes de sair para a viagem, não comprar o passaporte, pois a tarefa de carimbá-lo iria tirar-nos muito tempo à procura dos sítios onde o fazer. Optámos antes, como podem comprovar ao longo deste artigo, por deixar antes uma assinatura fotográfica dos locais por onde passámos.
A N2 leva-nos por Castro Daire, onde uma das rotundas tem mesmo um chaimite, a viatura blindada com nome de terra moçambicana e que foi uma das ‘atrizes’ do 25 de Abril.


A N2 leva-nos por Castro Daire, onde uma das rotundas tem mesmo um chaimite, a viatura blindada com nome de terra moçambicana e que foi uma das ‘atrizes’ do 25 de Abril.
Seguiram-se Calde, Abraveses e estávamos em Viseu. Eram 19.30 e como ainda tínhamos alguns eletrões para gastar, decidimos surpreender a família beirã e ir passar a noite em Pinhanços, em plena Nacional 17, ali entre Seia e Gouveia, não longe onde vive um conhecido piloto do TT nacional (e internacional), Mário Patrão.
A Experia havia completado mais de 220 quilómetros sem qualquer dificuldade ou limitações, mostrando já o porquê do seu nome ‘Green Tourer’. Além disso, na versão ‘Lounge Edition’, as três malas rígidas deram para levar toda a tralha e ainda sobrou muito espaço – afinal, eram só três dias que havia previsto para a viagem.
Rumo à zona Centro
O segundo dia seria fundamental para a decisão de concluir a viagem com o Gil, ou se ele teria de traçar rumo para o compromisso nupcial (não dele, note-se!). A Experia recebeu o primeiro carregamento rápido e viagem num supermercado na entrada de Seia, enquanto colocava a agenda em dia com (demasiados) telefonemas de permeio. Aliás, os supermercados foram pontos cruciais da viagem, ao disponibilizarem quase sempre os pontos para esse efeito, mesmo nos locais menos populosos.


‘Bye, bye’ aos tios e primos e saímos debaixo de muita humidade para retomar a N2, que nos levou por uma estradinha deliciosa, no caso a N231. O sol voltou a reaparecer já estávamos perto de Tondela, onde o marco do quilómetro 200 desapareceu, tragado pelas muitas obras de pavilhões industriais e alargamentos que se foram efetuando ao longo dos anos. Lá descobri algo mais aproximado, o km 200,5, cortesia de um restaurante cujo nome se refere ao aparelho onde se processa a destilação.
Na Concentração de Góis
Seguiu-se Santa Comba Dão e Mortágua, numa altura em que a N2 perde algum do seu encanto e parte do seu percurso está mesmo retalhado e nem sempre fácil de entender. O Mondego aparece para serpentear ao nosso lado e conduzir-nos até Penacova, onde fizemos um desvio para entrar mesmo na aldeia e ‘matar o bicho’.







Daqui para a frente a N2 volta a ‘enrolar-se’ e a brindar quem nela se aventura com mais uns quilómetros de boas curvas. E sem dar conta chega-se a Vila Nova de Poiares. Ainda quis subir a escadaria que leva até ao monumento ‘O Cristo’, na freguesia de Santo André, mas o calor apertava, pelo que nos ficámos pela sessão fotográfica.
As setas mandavam-nos para sul com mais curvas pela frente e a passagem por dois nomes indissociáveis da tertúlia motociclista. A Lousã, que saudámos de longe, e Góis, cuja concentração anual recebia já os primeiros (e acreditem que eram muitos) motociclistas que confluíam para a margem do rio Ceira.




Ao longo do percurso fomos encontrando outros ‘compagnons de route’, mas cujo espanto era comum quando se apercebiam (e escutavam o silvo) da forma de motorização da Energica. “É elétrica?”, foi a pergunta que mais escutei ao longo dos mais de 700 quilómetros de extensão da N2.



Do Zêzere ao Tejo
Com o calor a apertar de novo e mais de metade do dia volvido, o quilómetro 300 surgiu ali para os lados do Caniçal e Alvares. As terras que se seguem são sempre motivo de muita chalaça, já que Venda da Gaita e Picha têm muito que se lhes diga. E o que dizer das vizinhas Derreada Cimeira e Derreada Fundeira?




Com isto já estávamos em Pedrogão Grande, terra muito fustigada por incêndios, e que por isso homenageia os soldados da paz numa das suas rotundas. A parte que leva até à barragem de Cabril é lindíssima e vale a pena parar apreciar o vale do Zêzere no meio do silêncio, só interrompido pelo cantar das cigarras. Mais curvas e a chegada à Sertã, zona de importante indústria relacionada com a Madeira. Mas para quem passa, esta é uma terrinha bem simpática onde vale a pena passear ao longo do canal da Ribeira da Sertã e os seus jardins. Perfeita para descansar e refrescar da canícula.


Aqui foi tempo de dar nova carga rápida à Experia, obviamente no parque de um supermercado, aproveitando para nos hidratarmos e comer uma bucha. A italiana havia feito de novo 200 quilómetros e sem a mínima restrição de andamento. A possibilidade de parar para esticar pernas e dar atenção ao estomago calhavam na perfeição com a possibilidade de poder carregar a moto em cerca de uma hora.



Aqui foi tempo de dar nova carga rápida à Experia, obviamente no parque de um supermercado, aproveitando para nos hidratarmos e comer uma bucha. A italiana havia feito de novo 200 quilómetros e sem a mínima restrição de andamento. A possibilidade de parar para esticar pernas e dar atenção ao estomago calhavam na perfeição com a possibilidade de poder carregar a moto em cerca de uma hora.
Foi também o ponto de tomar decisões onde ficar. Havíamos previsto ficar ali perto de Santarém ou continuar um pouquito mais se ainda desse, pois para sul do Tejo a paisagem iria horizontalizar-se e o trajeto seria bem rolante até à serra do Caldeirão, já em pleno Algarve.





Ribatejo à vista
Num ritmo despachado chegámos a Vila de Rei e Sardoal. Já me tinha apercebido dos muitos marcos comemorativos dos 75 anos da N2, com o nome de cada terra, e onde quem passa aproveita para decorar com autocolantes e as dedicatórias mais variadas. A N2 ao serviço da promoção turística de cidades, vilas e lugarejos!
E logo surgiu o Tejo no seu esplendor, quando chegámos a Abrantes, cujo quartel não visitámos e não deu para ver se estava como dantes.



Mais de metade da N2 estava feita quando atingimos o quilómetro 403 (o marco com o 400 extinguiu-se, como os dinossauros), com o respetivo alojado num nicho escavado à beira da estrada, já que berma é coisa que ali não existe.



O sul do Tejo também tem um Rossio, de onde saímos para passar na Bemposta e chegar a Mora. Eram seis da tarde e ainda tínhamos mais de um par de horas de sol. O tempo estava bom e decidimos continuar mais um pouco. Seguiu-se o Ciborro, famoso pelo raide TT e onde encontrámos o quilómetro 500. Tinha sido sempre a rolar, passando por Ponte de Sor, onde muitos aprendem a voar, Montargil, com a sua barragem, passando ao lado de Avis.





Montemor-o-Novo e o Paco
A etapa estava a acabar com o sol a espreguiçar-se no horizonte, pois a decisão de pernoita havia recaído sobre Montemor-o-Novo. E a rotina de fim de dia manteve-se: carregar a Experia (e reabastecer a Burgman) que havia feito 173 quilómetros com uma perna às costas e um ritmo bem vivo. Tempo para jantar no Leilão, onde comemos umas migas e uma carne de fazer chorar por mais. Mas o dia não acabou sem reservar-nos uma surpresa.
O local escolhido obrigava a retroceder cinco quilómetros para norte de Montemor, ainda na N2, para ir dormir ao Monte do Paco. Lá chegado, sem ver vivalma, um senhor acenava ao longo e gritou:
– Já foram atendidos? – apontámos as motos na sua direção e aquela cara não me era estranha. Paco?
– É quem eu estou a pensar que é? – perguntei.
– Sim! – ripostou com um sorriso. Não estávamos perto de Elvas, mas deu para reconhecer Paco Bandeira, que aproveitou os alojamentos dos antigos estúdios da RTP Internacional e assim dar ‘abrigo’ a muitos dos que descem, ou sobem, a N2. Estavam lá algumas motos de gente que pernoitou por ali, com a particularidade de até se ter direito a um autocolante com a quilometragem do sítio onde fica o Monte do Paco.

Alentejo rolante
O último dia incluia algumas questões de agenda que havia que ter em conta no plano, já que pelas 10 da manhã teria imperativamente de parar para uma reunião a que não podia faltar. O objetivo seria parar em Castro Verde para este compromisso, e carregar / abastecer as duas motos.
Saímos pouco passava das sete da manhã, debaixo de temperatura amena e céu encoberto, para um percurso muito rolante e com aspetos de paisagem diferentes, mas não menos interessante. Depois de passar Alcáçovas, apareceram as longas retas alentejanas, algumas com um autêntico túnel verde constituído pelos pinheiros mansos que bordejam a N2 nesses trechos. Belíssimo, mas algo totalmente impossível de repetir nos dias que correm, onde as árvores que não foram cortadas só podem ser plantadas a uma boa distância do asfalto.

Seguiu-se o Torrão, com uma entrada de curvas espetaculares, Odivelas do Alentejo, com ‘A Ferreira’ à vossa espera de martelo na mão, e a seis quilómetros de Aljustrel surgiu o marco do quilómetro 600. Faro estava cada vez mais perto, mas ainda havia muito asfalto para ‘lamber’ pneu.





Pela Faixa Piritosa
A N2 bordeja a vila mineira, para rumar a outro ponto importantíssimo da Faixa Piritosa: Castro Verde, conforme o atestam os cubos de calcopirite numa das suas muitas rotundas. Mais um supermercado para carregar a Experia, depois de uns meros 137 quilómetros rolados e lá tive de me agarrar ao telefone.






O Alentejo já começava a dizer adeus quando chegámos a Almodôvar e contornámos a rotunda de homenagem ao mineiro. As curvas estavam a chegar com a Serra do Caldeirão depois de passar o rio Vascão, que separa o Algarve do Alentejo.



E é uma autêntica serpente, nalguns sítios com um asfalto novíssimo, que permitiram perceber e validar a qualidade dinâmica da Experia, bem como o controle de acelerador que só uma elétrica consegue garantir. Nalguns pontos da serra algarvia, a estrada parece que volta para trás, tal o contorcionismo a que a mesma obriga. Nos meus tempos de miúdo, eram muitas horas que levava a fazer com os meus avós, quase sempre de noite, com destino a Loulé, para comprar pão ‘fresquinho’ (na verdade quentinho e acabado de sair do forno) à abertura matutina da padaria.


Quilómetro 738 é já ali
É depois de passarmos o Ameixial – cuidado com os penduras que enjoam, porque isto é verdadeiro mar alto e encapelado – lá demos com o último marco quilométrico ‘centenário’, o 700, ali para os lados de Salir. Pelo meio ainda deu para apreciar as casas dos cantoneiros, da Junta Autónoma de Estradas, na mais pura arquitetura algarvia, e passar por um posto de carregamento rápido no meio do nada, à beira da estrada!
São Braz de Alportel é a última localidade antes da chegada a Faro. Uma espécie de preparação para uma chegada ao sprint, utilizando vernáculo ciclista. E sem ser uma parte final espetacular, bem pelo contrário, lá chegámos à rotunda onde está o marco do quilómetro 738, com mais trânsito que uma rua do Cairo. Eram as 12.30 do dia 18 de agosto.




A missão estava cumprida e somente com uma moto como a Energica Experia foi possível efetuar este trajeto em dois dias úteis. Se tivéssemos de parar a cada 100 quilómetros e esperar quatro horas – isto depois de encontrar uma tomada caseira de algum café mais hospitaleiro – seria preciso quase uma semana para o fazer.


A N2 por 49 euros
Tudo isto com um tempo total de carregamentos inferior a cinco horas e um custo total de 49 euros, algo ao nível de uma 125cc a gasolina e que deu uma média a tocar os seis euros para cada 100 quilómetros. Em comparação, a Burgman 650 gastou pouco menos do dobro do valor energético necessário para a Experia.

E será interessante dizer que o carregamento efetuado em Castro Verde ainda deu para percorrer a N125 até Ferreiras, onde entrámos no IC1 e só parámos em Ourique para carregar novamente. É que havíamos decido voltar ao ponto de partida nesse mesmo dia, o que só aconteceu dez horas depois. Mas isso é uma história que poderão ler no teste da Energica Experia.

A mais longa da Europa
A Estrada Nacional 2 atravessa mais de trinta municípios, onze rios e quatro serras. De certa forma, a história e o seu confundem-se, se tivermos em conta que alguns dos seus segmentos eram já utilizados nas vias construídas pelos romanos para atravessa a Lusitânia. E no fim do século XIX, boa parte da atual EN2 fazia parte da chamada Estrada Real.
Implanta-se a república, estrada chega a Beja e passa a designar-se por N17 e, mais tarde N19. As grandes obras do Estado Novo incluíam uma estrada que ligasse o país de lés-a-lés, mas pelo centro do território. É assim que a partir de 1930 passam a ser alcatroados os troços de terra e pedra que fariam parte do seu traçado final.

É assim que, em 1945, a Estrada Nacional 2 é classificada pelo Decreto-Lei 34:593, de 11 de maio desse mesmo ano.
Ligando Chaves a Faro, a EN 2 é considerada a estrada mais longa da Europa e depois de a fazermos na íntegra. Percebi o porquê da tamanha popularidade que granjeou entre a comunidade mototurística, e não só.
Vale a pena percorrê-la de moto, mas de preferência com tempo de sobra para desfrutar dos muitos recantos preciosos que o interior de Portugal tem para oferecer.
