A minha rua mudou.
Fevereiro 20, 2022
Texto e fotos. Alex Kossack Às vezes a vida parece-me uma cena de um daqueles filmes de ficção, em que o marido diz à mulher : “querida, vou ali comprar o jornal”, e só volta 30 anos depois, barbudo e sem cabelo. Entretanto a mulher, coitada, farta de esperar, casou de novo e tem 4…

Texto e fotos. Alex Kossack
Às vezes a vida parece-me uma cena de um daqueles filmes de ficção, em que o marido diz à mulher : “querida, vou ali comprar o jornal”, e só volta 30 anos depois, barbudo e sem cabelo. Entretanto a mulher, coitada, farta de esperar, casou de novo e tem 4 putos; dois são de 2 namorados diferentes. Coisas da vida. Ninguém quer ficar sozinho. Deus me livre, essa gaita é que não.
De verdade, embora para quase toda a gente à nossa volta não seja assim tão aparente a mudança, para mim é. Bastante mesmo.

Tudo mudou. No meu tempo fumar era fixe e meter coisas “no pacote” era feio, hoje meter coisas “no pacote” é fixe e fumar é feio. Quero voltar ao meu tempo, pá!!!!!! Ainda aparece alguém a fumar pelo “pacote”! Modernices.
Eu acho que sabendo da arte, há coisas que não mudam, e que nos conseguem dar hoje as mesmas emoções e sensações de há 30 anos. Estas motas velhas que temos são perfeitas para isso. São arte. Verdadeiras cápsulas de tempo. Permitem viajar no tempo e viver o passado como se fosse hoje.

Perguntavam-me hoje:
-a tua mota deixa meter primeira com o descanso em baixo?
– Primeira com o descanso em baixo? Eu tenho sorte ela ter travões e suspensão! Não tem nada dessas modernices de meter “no pacote”. Puro e cru.
Acho que muita gente desta que anda na estrada, hoje não durava muito nestas motas antigas, eram arte. As únicas ajudas que tinham era nas descidas, embalavam melhor, de resto, era tudo a empatar.

Incrível como 30 anos separam estas fotos que partilho aqui convosco.
A minha rua mudou, o trânsito aumentou, a casa do meu amigo agora é um prédio de 8 andares, muitas janelas já não abrem, por muitas portas já não passa ninguém, já não há velhos bêbados às 3 da tarde na tasca da esquina, nunca mais vi a senhora das flores, a empregada da esquina que namorava com soldados, essa, morreu.

A padaria fechou, o Roquete é uma loja do Chinês, o professor foi viver para longe, e agora só lá passam doutores e engenheiros de carro.
O amolador de facas nunca mais por lá passou, a vista para o mar, essa foi-se, e deu lugar a um prédio que tapou o horizonte. A papelaria fechou, a mercearia é uma funerária, e os autocarros já lá não param. Raio de coisa esta o tempo. Não espera por ninguém. Ganha quem o passar melhor e fizer mais coisas, não quem tiver mais coisas. As memórias vivem-se, a obra e os filhos ficam para as perpetuar.

A minha rua mudou, há quem prefira assim. Eu não sei bem se gosto ou não. A nostalgia incomoda-me mas agrada-me ao mesmo tempo.
30 anos depois voltei à minha rua com o meu irmão, e fizemos uma foto com as mesmas motas, no mesmo sítio, exactamente como estavam há 30 anos. Elas continuam lindas e rejuvenescidas, já nós nem por isso. Juntei mais umas que por aqui tinha e fiz o mesmo.
A grande diferença agora é que já tenho filhos que estão a começar a fazer o que eu e o meu irmão fazíamos há 30 ou mais anos, e estes dois lá terão as suas papelarias e as suas vistas. São ciclos, mas acreditem que se passam melhor… em motociclos.

Se pudesse esperava pelo verão e voltava a pôr a rua a meu gosto, mas já não dá. Ninguém quer saber.
Fica-nos o cheiro e as sensações de outrora, e o poder andar em motas que são arte, porque de resto, tudo mudou, a minha rua, essa pobre desgraçada, também mudou.
A minha rua mudou.
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