A encruzilhada de Tom Sykes e da BMW Motorrad
Autor: Fernando Pedrinho
Setembro 3, 2021
Quando recebeu a notícia da assinatura de Scott Redding com a BMW Motorrad para 2022, no dia do seu aniversário, Tom Sykes ficou longe de ter a prenda de anos mais desejada. Afinal, acabava de ficar apeado para a próxima época e de um projeto a que se entregou de alma e coração. Mas nem…


Quando recebeu a notícia da assinatura de Scott Redding com a BMW Motorrad para 2022, no dia do seu aniversário, Tom Sykes ficou longe de ter a prenda de anos mais desejada. Afinal, acabava de ficar apeado para a próxima época e de um projeto a que se entregou de alma e coração. Mas nem tudo parece perdido e o coriáceo piloto do norte de Inglaterra ainda poderá ter mais uma oportunidade com as cores do fabricante alemão.
- Texto: Fernando Pedrinho
- Fotos: WorldSBK, BMW Motorrad WorldSBK, Fernando Pedrinho

Só que não será com as cores da equipa oficial, onde permanecerá até ao final da época, ao lado de Michael van der Mark. O seu compatriota Scott Redding ocupará o assento da sua M1000RR, o que deixou um amargo de boca ao natural de Hull, numa altura em que as motos bávaras têm vindo a subir de prestações e Sykes acabou de realizar a melhor corrida em seco – e com muito calor – de uma moto que é nova e se estreou esta época.
O semblante de Tom não deixava margem para dúvidas quando o encontrei no final da última corrida de Navarra. “Ainda não me comunicaram nada, tudo o que sei é através do que tem sido relatado por vós, que ainda pode haver espaço para mim dentro da equipa”, disse com algum desalento. “Se for para ir para uma equipa com apoio oficial da BMW e em que possa levar algum do meu staff técnico, a proposta pode ser interessante, porque realizámos tanto trabalho e colocámos tanto esforço e compromisso neste projeto… (suspiro). Não é possível fazer uma moto de corrida de um dia para o outro. Mas o meu tempo como oficial acabou. Ontem ficámos a 20 segundos do vencedor, hoje apenas a 14 segundos e o ritmo foi mais elevado. Se o novo piloto que acaba de assinar conseguir ficar a menos de 14 segundos nas mesmas condições de hoje e com a moto no estado de desenvolvimento atual, juro-te que tiro o meu chapéu e terei todo o interesse em compreender como é possível e aprender como o faz. Mas a situação é o que é, há que respeitar as decisões da equipa, quer se goste ou não, e lidar com elas. Eu estava muito motivado e respeito muito este projeto… só espero que o novo contratado [em nova referência a Scott Redding] sinta o mesmo”.

Teremos aqui uma uma decisão com base numa expetativa, por parte da BMW Motorrad, em relação ao atual recruta da Aruba.it Ducati, como sucedeu com Michael van der Mark no início da temporada? “Concordo! Mas não vou falar muito sobre o assunto e as palavras são tuas. Mas há a perceção de que se colocares um piloto rápido numa BMW ela passa a ganhar corridas (pausa) o que é algo insultuoso para comigo. Algo idêntico se passou com o Michael, com quem tenho muito bom relacionamento e criámos um ótimo ambiente na box, pois ao terminar em terceiro no Mundial com a Yamaha, o consideraram como um piloto da frente e que transferiria idêntico resultado para a BMW. Em minha defesa, eu também tinha um currículo bastante saudável antes de me juntar à marca. Se concordo com a premissa de que o Scott é um piloto da dianteira e vai pôr a M1000RR a vencer corridas? Não, de todo! Mas como disse antes, não perdi um minuto de sono com esta decisão, porque não a posso controlar e tenho de saber lidar com ela. É pena ter ficado sem tempo, porque estávamos a compreender algumas coisas sobre o comportamento da moto, que é nova, mas não posso realizar milagres”.

Tom Sykes chega a Nevers Magny-Cours, cuja ronda arranca hoje, muito perto do quarto lugar no campeonato. “Repara que há pilotos muito bons com motos muito mais maduras à nossa frente. Se tivéssemos alcançado esse objetivo há umas semanas atrás não estaríamos agora a ter esta conversa. Mas isso não aconteceu e sinto-me a morrer na praia. O problema técnico em Assen custou-me um lugar no fim da grelha, o que não veio ajudar a minha causa. Mas não duvides que vou lutar por essa posição”.
Tratando-se de um projeto que recebeu um modelo novo como a M1000RR, que veio suceder à S1000RR, a moto tem ainda “algumas limitações naturais. Tanto eu como o Michael [van der Mark] somos pilotos competentes e temos os mesmos problemas com a moto, apesar dos nossos estilos de pilotagem serem diferentes. Utilizamos um motor novo que veio obrigar a algumas alterações no equilíbrio da parte ciclística. Mas há gente muito boa e tecnicamente competente, capaz de ver que quando eu utilizo o pneu de qualificação consigo contornar essas limitações do conjunto, sejam elas originárias da moto, do piloto ou da combinação dos dois. Eu sempre disse à equipa que se conseguissem dar-me metade da afinação da qualificação para a corrida [os resultados seriam ainda melhores]…

“Uma volta de qualificação é muito mais fácil para mim de realizar do que uma volta em corrida, porque sou capaz de pilotar de uma forma mais natural e consigo extrair algo mais da minha pilotagem. Em corrida, continuamos a debater-nos com falta de tração em toda a parte da curva. Com o pneu de qualificação, consigo inserir a moto em curva, libertar o travão, levantá-la e acabar a curva em aceleração. É difícil explicar-te mas é uma moto completamente diferente da qualificação para a corrida. No passado trabalhei com engenheiros muito inteligentes que se depararam com o mesmo problema. Se tens rapidez, e sem ponta de presunção eu tenho, como podes ver na qualificação [em Navarra, Sykes partiu da fila da frente], é mais fácil transformar ritmo em consistência do que o contrário. Eu ainda acredito, como pudeste ver na corrida, que se encontrar alguma tração adicional, as 22 voltas não serão problema. Se consigo numa volta andar rápido, conseguirei fazê-lo durante 15 ou mais voltas, e não apenas um tempo canhão numa volta única da corrida”.

Alex Lowes disse-me que os tempos da travagem a direito, virar, levantar a moto e sair de acelerador trancado acabaram devido à maneira como os novos Pirelli funcionam. Ao serem cada vez mais brandos, permitem manter uma velocidade em curva muito mais elevada que as anteriores borrachas. “Bom, isso é uma declaração muito forte, mas cada piloto tem a sua opinião. Quando tens de lidar com 230 cavalos, ou mais do que isso, não interessa o pneu que estás a usar, porque quando estás inclinado toda essa potência não te serve para muito.
E acredita que quando estás ‘em cima’ dessa potência é quando saem os tempos por volta. Concordo com o Alex nalguns pontos, mas discordo noutros. O novo Pirelli 557 é muito bom, porque tem uma construção um pouco mais rígida que o SC X e, simultaneamente, dá um pouco mais de tração que o SC 0. Isso permite-te libertar um pouco o travão. Eu consigo manter velocidade em curva, o problema é que não consigo manter a trajetória e terminar a curva com o acelerador aberto, algo que fazia sem problemas com a Kawasaki. Tenho seguido as Yamaha e eles conseguem terminar a curva, algo que, para mim, se conseguires fazer te permite adotar mais facilmente um estilo de ‘stop and go’.

“Contudo, nota que o asfalto estava nos 50º C e a pista tem muitos ressaltos, o que faz com que os pneus tenham de trabalhar mais que o normal e as motos escorreguem muito. A Pirelli está a fazer um bom trabalho e a trazer diversas variantes que temos vindo a experimentar”. É tal a amplitude dos ressaltos em Navarra que o Tom viu-se obrigado a utilizar um peitoral após as primeiras voltas. “No final da reta, mesmo antes da direita, há um par de bossas que quando passei lá a primeira vez de sexta a fundo o tanque deu-me duas violentas pancadas no tórax que me deixaram quase sem fôlego”.
Sykes alcançou, no calor de Navarra, o melhor resultado de uma BMW em piso seco nos últimos anos. “Correto! E sem quedas à nossa frente. Há muitas conclusões a tirar. São apenas três motos na grelha, um modelo novo ao qual falta quilometragem e dados das várias pistas por onde passamos. Infelizmente o Jonas [Folger] tem passado por algumas dificuldades e acabo por ser eu e o Michael [van der Mark] a andar mais próximo dos lugares da frente. Testámos em Navarra, levámos os ensinamentos para Donington e Assen, e depois tivémos um teste com muitíssimo calor na Catalunha, onde testámos muitos componentes novos e ensaiámos diferentes geometrias. E aplicámos isso no fim-de-semana de Navarra, pois para variar tive mais dificuldades nas sessões de treinos de manhã, com temperaturas mais baixas, do que na sessão e corridas realizadas debaixo de calor, o que vai contra a natureza da BMW e do Tom Sykes (risos)”.

Em conversa com um responsável da BMW Motorrad, este confidenciou-me o interesse da marca em manter Tom Sykes sob contrato para o próximo ano. E se uma estrutura de três pilotos é algo totalmente inviável numa equipa oficial moderna, a ideia passa por aumentar e equalizar o apoio oficial dado à Bonovo MGM Racing, que faz alinhar Jonas Folger no Mundial, tornando a equipa satélite maior e dotada de material ainda mais idêntico ao da SMR, que defende as cores oficiais da marca alemã. Isto porque a RC Squadra Corse, de Roberto Colombo e que fez alinhar Eugene Laverty, é praticamente uma carta fora do baralho e diz-se que a equipa está praticamente falida. “Não te vou esconder que tudo isto foi anunciado tardiamente e muito mal comunicado dentro da equipa. Houve alguns contatos [com outras equipas e fabricantes] durante o fim-de-semana [da ronda navarra], mas sou um profissional e vou protelar o seguimento destes contatos iniciais até ao dia em que deixar de usar o meu equipamento com as cores da BMW, em respeito por mim próprio, pela equipa e pelo ambiente em que me movo. Nota que já este ano o Jonas tem recebido o mesmo material que o Michael e eu temos disponível. Houve até alturas em que ele teve material de teste antes de mim, o que é justo, pois somos três pilotos apoiados pela marca. O que me deixa desapontado é haver pessoal técnico de muita qualidade a desenvolver a minha moto e em quem confio totalmente, que posso vir a perder com a mudança. Se puder reter alguns destes técnicos e tiver um contrato e suporte da fábrica, poderei estar interessado”.

Algum sentimento de injustiça no meio disto tudo, em que alguém pode vir a ficar com os louros do trabalho desenvolvido a muito custo por Tom Sykes e os seus pares? “(suspiro) Sim vai ser difícil de engolir se acontecer, mas por vezes acontece no mundo da competição. Foi por isso que te referi o meu desapontamento por esta decisão da BMW. Por tudo o que me sacrifiquei nestes últimos anos para chegarmos onde estamos. Mas saio daqui, vou comer um belo bife e reconsiderar algumas coisas”.
Magny Cours pode ser determinante para futuro de Tom Sykes com a BMW. Um novo bom desempenho e a marca alemã, por certo, tudo fará para reter o britânico na estrutura da Bonovo MGM, com Jonas Folger, até porque é essa a vontade aparente dos quadros da divisão Motorrad da casa do hélice. Só que a Honda está atenta e a saída de Bautista cria um fosso grande de colmatar no projeto CBR1000RR-R que Sykes poderá querer agarrar – se para ele manter estatuto número um de piloto de fábrica for essencial – apesar de os progressos registados pela Fireblade estarem aquém do esperado por todos. A resposta estará para breve mas, para nós, o que mais acreditamos é que a manutenção do casamento Sykes / BMW seja a solução mais vantajosa para ambas as partes.

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