Pere Riba (Kawasaki Racing Team WorldSBK): 15 cavalos!

  • Texto: Fernando Pedrinho
  • Fotos: Eva Blanquez, WorldSBK, MotoGP, Fernando Pedrinho

É o diretor técnico com o melhor currículo de todo o ‘paddock’ do Mundial de Superbike. Pere Riba foi piloto, colaborou no desenvolvimento de muitos modelos desportivos da Honda e Kawasaki, e depois dedicou-se por inteiro às funções de diretor técnico na Provec, que defende os interesses da Kawasaki no Mundial dedicado às desportivas de série. Quem melhor do que ele para nos explicar porque o domínio constante da ZX-10RR Ninja de desvaneceu parcialmente este ano, dando origem a um dos campeonatos mais disputados de sempre.

Pere Riba: Que te disse o Jonathan [Rea)?

MotoX: (risos) Falámos de muita coisa, mas já vais ver porque te vou perguntar por alguns destes temas.

Jonathan Rea e Pere Riba (com o engenheiro de dados Davide Gentile), a dupla mais bem sucedida do Mundial de Superbike.

Não melhorámos tanto como os outros!

MotoX: Consideras este o Mundial mais disputado em que alguma vez participaste?

PR: Sim, sim! O ano de 2019 foi uma circunstância diferente. Este é o ano em que nos estão a levar ao limite.

MotoX: E qual a razão? Moto? Piloto?

PR: Por muitas circunstâncias. Porque as equipas trabalham e melhoram. Nós também o fazemos, mas não melhorámos tanto como os outros. Não há muita volta a dar ao assunto.

MotoX: Mas isso porque a vossa base de desenvolvimento não se alterou muito?

PR: Como te disse, por muitas circunstâncias. Ganhar, ganhar, ganhar é muito positivo, mas também tem o seu lado negativo. Nunca paramos de trabalhar, mas não é o mesmo fazendo-o e ganhando para uma fábrica, do que trabalhando e perdendo. Por exemplo, se tens uma empresa cujo produto se vende por si, podes cair no erro de não cuidar desse produto a 100%. Quando ganhas ou vendes sempre, não tens de investir tanto em marketing, imagem ou engenharia. É o normal e natural. Mas no mundo da competição, do desenvolvimento e da tecnologia tens de estar sempre no último patamar e totalmente empenhado. Foi isso que nos aconteceu, de alguma maneira. Os outros levam muitos anos trabalhando e sem ganhar.

Tiraram-nos 500 rpm no início da época!

Foi uma paulada!

MotoX: E a ver-vos a ganhar anos a fio…

PR: Logicamente, mas por outro lado acho que a Yamaha tem vindo a efetuar um trabalho excelente. Desde a fábrica ao desenvolvimento, das equipas aos pilotos e com o extra de terem um piloto que toda a gente sabia, desde há quatro anos, que será um futuro campeão mundial. Esperamos poder atrasar esse facto, mas é inegável que o Toprak [Razgatlioglu] tem muito potencial. Chegou então o momento que nos colocaram em crise e expuseram o nosso limite.

MotoX: A época começou muito bem para vós. Nova aerodinâmica na moto e resultados excecionais nos treinos de pré-temporada…

PR: (interrompendo) Essa é a segunda parte que não te falei. Efetuámos toda a pré-temporada com uma configuração de motor e um certo desenvolvimento…

MotoX: E com mais 500 rotações de regime máximo!

PR: Exato! E isso afetou tudo. A pré-temporada foi muito boa e uma semana antes de começar o campeonato, pelas razões que sejam e sem procurar culpados, retiram-nos este extra de regime de rotação. Foi como uma paulada!

A importância de 500 rpm extra

MotoX: E porque são essas 500 rpm assim tão importantes? Não se trata de potência pura…

PR: Evidentemente que não, mas traduz-se na aceleração, por exemplo. Imagina que a tua moto atinge 310 km/h num determinado ponto da pista. Essa velocidade, dependendo do regime disponível, pode representar relações de caixa mais curtas ou mais longas. Nós temos relações mais compridas, que significam menos binário e consequentemente menor capacidade de aceleração.

MotoX: Que se via bem em Navarra, quando as vossas motos entravam no longa reta da meta em primeira velocidade.

PR: Precisamente! Utilizamos todo o regime de rotação disponível com as relações mais curtas que podemos colocar. Ainda assim, a primeira e a segunda velocidade são longas. Mas o mais importante foi termos preparado a pré-temporada de uma determinada forma e uma semana antes vimos todo esse trabalho ir por água abaixo. Acabou por afetar tudo, desde as relações de caixa que têm de ficar definidas antes da primeira corrida, à parte ciclística, à configuração do motor. Todo o trabalho efetuado foi atirado ao lixo e causou-nos danos.

MotoX: Mas a FIM e o seu comissário técnico [Scott Smart] disse que o motor da vossa ZX-10RR Ninja não se tratava de um motor novo, logo não havia lugar a uma revisão do regime máximo.

PR: Não vou entrar por aí. Se falares com o Scott ele vai dizer-te uma coisa, mas se o fizeres com a Kawasaki vais ouvir outra. Não é o meu ‘business’. Eu utilizo o que me dão. Mas que nos afetou é um facto.

“Este é o melhor Jonathan Rea de sempre!”

Quando os pneus nivelam o jogo

MotoX: Um banho de água fria…

PR: Mas é apenas parte da razão de como estamos agora. Repito-te que a Yamaha trabalhou muito bem e todas as fábricas não param e trabalham muito. Não é difícil de entender.

MotoX: Os novos pneus que a Pirelli lançou também vieram nivelar muito o jogo. Antes, a proverbial capacidade de tração da ZX-10RR era um sonho para os demais. Vê o caso do Estoril, onde o Jonathan conseguia ser mais rápido que todos os outros com um pneu traseiro mais duro. Mas o mais incrível é terem necessidade de retirar parte dessa capacidade da roda traseira desde Barcelona, por afetar todo o equilíbrio da moto.

PR: Vamos lá ver. No fim de contas os pneus representam tudo! São eles quem manda. O desenvolvimento de uma moto é feito a partir dos pneus que vais utilizar. Aqui é um pouco menos porque são motos de estrada e temos menos possibilidade de efetuar modificações. Já se olhares para a MotoGP, um dos assuntos mais delicados é – e que as equipas pedem – a estabilidade da gama de pneus disponíveis. Dependendo das borrachas que se utilizem, define-se e constrói-se um chassis e sua rigidez, as suspensões e caráter do motor em função deles. Os pneus ditam a lei! Nós sempre tirámos partido dos pneus colocados ao dispor pela Pirelli, como o SC 1, no passado, ou o SC 0. A nossa moto tem uma tração mecânica muito boa, por diferentes razões. Este ano, também é verdade que os nossos adversários beneficiam do SCX A0557, que tem um composto mais macio e lhe compensa a falta de tração mecânica das suas motos. Obviamente, porque já temos uma tração mecânica elevada, não lográmos tirar tanto partido deste novo pneu. Não serve de desculpa, mas claramente veio ajudar mais a eles do que a nós.

A 24 pontos de distância do sétimo título consecutivo, antes da ronda Argentina.

MotoX: Então estás de acordo…

PR: Totalmente! Mas tudo pode ter mil leituras. Podes dizer que não fomos hábil em sacar rendimento deste pneu como os outros fizeram. Isso é uma interpretação e eu aceito. Mas é evidente que se trata de um pneu que ajudou bastante as Yamaha YZR R1, principalmente, dado que o seu maior problema era a capacidade de tração. Se juntarmos isto a um trabalho que tem sido muito bem feito com um piloto que está a crescer – na verdade não é apenas um – não há dúvida que nos colocaram numa situação de dificuldade.

MotoX: O Jonathan tem-se queixado que o novo traseiro SCX A0557 coloca muita carga na frente da moto…

PR: Nós temos uma moto com um equilíbrio e característica de motor que as pessoas tendem a esquecer ou nem sequer a entender do ponto de vista técnico. O nosso motor é um quatro cilindros em linha, ‘screamer’, tem uma cambota muito comprida e um curso do êmbolo também elevado. Tudo isto afeta bastante o comportamento da moto. Muito, mesmo! É como se tivessem juntado um conjunto de características que nos aumenta o grau de dificuldade em face destes novos pneus. Há que entender isso e trabalhar para ultrapassar essas dificuldades. E repara que estamos a fazer uma boa época: sem termos dado um passo em frente importante, pois isso foi feito na pré-época mas foi-nos retirado antes do seu início o que nos deixou no mesmo nível dos dois anos anteriores, estamos a andar mais rápido por todas as pistas por onde temos passado. Este Jonathan Rea é o melhor que alguma vez tivemos! Mas na verdade não demos aquele passo em frente que os outros conseguiram.

Tirar um coelho da cartola… em todas as corridas

MotoX: A Ninja costumava ser muito estável, com necessidade de pequenas alterações em torno da afinação base que defenias antes da época ter início. Mas este ano tem sido diferente e em Jerez de la Frontera, por exemplo, o Jonathan confessava que de sessão para sessão mudaram a moto radicalmente. Não deixo de me admirar, de cada vez que vejo a equipa e os pilotos aparentemente desesperados, como logras sacar um coelho da cartola de corrida para corrida.

PR: Eu acho que conhecemos muito bem a base da moto e todos os seus componentes, como o motor, quadro, suspensões ou os pneus. E há algo um pouco complicado de entender: quando tudo corre bem, é tudo muito fácil. Mas quando entras numa situação de crise, porque há alguém que te aperta e te ganha, o cenário torna-se diferente. Esta pressão que te colocam faz com que as coisas não sejam tão fáceis e lineares. Mas isso é normalíssimo em qualquer outro trabalho. Para um piloto, estar sob pressão é o pior que lhe pode acontecer. Mas esta é uma pressão generalizada, que acho conseguimos gerir de uma boa maneira, mas é real. Está aí! É claro que se o piloto vê que perde um segundo num setor da pista onde o motor é determinante, vem logo perguntar o que vamos fazer para colmatar essa diferença. Tudo isto cria um desejo de querer mais, que muitas vezes tem como resultado um recuo do que o desejado passo em frente. É esse o meu trabalho: gerir todas estas situações e encontrar a melhor solução. Mas volto a dizer-te: no início da temporada tiraram-nos o extra importante que havíamos conseguido de 2020 para 2021 com este pacote novo. Por outro lado, como equipa não conseguimos dar o passo em frente que os nossos adversários lograram dar, com um piloto, equipa e soluções técnicas em marcado crescimento. Aqui, um mais um não são dois mas sim três (risos). Não há que procurar desculpas, mas a realidade é o que é. É isso que transmito à fábrica.

Em 2002, primeiros testes com a Yamaha YZR500 de Luís D’Antín, em substituição do retirado Alex Crivillé.

MotoX: Eu sei que este ano não testaram muitos componentes e soluções ao longo do ano. Contudo, o teste da Catalunha foi determinante para o final da época, com a tripla ronda ibérica e as outras duas fora da Europa. Porquê?

PR:Este tem sido um ano especial e volto a dizer: as outras equipas melhoraram muito e trabalharam muito bem. Não estamos sós, pôrra! Quando se entra nesta inércia de ganhar, ganhar, ganhar… Dou-te um exemplo: quando chego a casa ou encontro os meus amigos e o Jonathan não terminou em primeiro, perguntam-me logo pelo que aconteceu.

MotoX: As pessoas acostumam-se…

PR: É natural! Somos humanos! E entramos numa inércia em que o normal é que o Jonathan esteja sempre à frente a ganhar corridas. Terminar em segundo torna-se uma anormalidade e logo há um problema! Quando na verdade não existe problema algum.

MotoX: O vosso sucesso permanente tornou o mundial aborrecido. Havia quem me dissesse que ligavam a TV ou consultavam os resultados para saber quem tinha terminado em segundo…

PR: Isso não me interessa e dá-me igual, mas entendo o que dizes. Mas tenho de dizer-te que é normal o que está a acontecer e e lógico do meu ponto de vista. Se nos dessem de volta as rotações que nos retiraram, e posso dizer-te que a Kawasaki trabalhou como nem imaginas. Para fazer uma homologação de 500 rotações extra entram em conta muitos fatores. A sua falta afetou-nos bastante. À parte de tudo isso, repito e repito, os outros estão a trabalhar muito e bem.

Motor novo ou não

MotoX: Para ti, este motor apresentado no início do ano era um motor novo?

PR: Mas porque diabo o consideras um motor novo?

Em 2003, no Mundial de Supersport com a ZX-6RR Ninja (foto Lawrence Peeney)

MotoX: Com alterações suficientes para ser considerado como novo e logo permitir a nova homologação solicitada pela Kawasaki.

PR: Ahhhhh… para mim um motor novo é algo que te dá alguma coisa mais. Estamos de acordo? Esse é um tema de leitura do regulamento e não vou entrar nesse campo. A FIM fez uma interpretação e a Kawasaki outra. Mas como é a FIM quem manda… O que te posso dizer é que eu trabalhei com o meu piloto e a minha equipa num pacote que nos foi retirado antes da primeira corrida. Ponto final! Porque é que fizeram isso, não vou falar mais sobre o tema. Acabámos a temporada de 2020 a 85% e no final da pré-temporada estávamos a 100%, mas quando fomos para a primeira corrida estávamos de volta aos 85% com que havíamos terminado a época passada. A Yamaha acabou nos 90%, arrancou 2021 nos 95% e agora está nos 105%. Porque trabalharam e cresceram bem. O tema não é só técnico mas abrange muitos outros aspetos. Ainda assim, nós também estamos a fazer as coisas bem e o Jonathan… tem fetio um trabalho ‘de la hóstia’. Com todos os problemas que nos apontam, estamos sem segundo a 30 pontos do líder e o terceiro está cinquenta atrás [a conversa teve lugar antes das três provas do AIA, impróprias para cardíacos e em que Scott Redding, o terceiro do campeonato, acabou para reduzir para 30 pontos a desvantagem para o norte-irlandês] e o quarto a mais de 200 pontos de distância! Isto para que se perceba que o mundo não acabou e tudo é uma m***.

MotoX: Qual é a tua lista de pedidos para Kawasaki para 2022?

PR: (pausa) muitas coisas (sorriso). Mais 15 cavalos!

De Benelli TRK 502 em Portimão

Viajámos até Portimão numa Benelli TRK 502, equipada com o conjunto de malas Shad Terra, que nos permitiu trazer muita bagagem desde Vila Nova de Gaia até à solarenga província algarvia. Obrigado ao Hugo Santos e à Multimoto por aceitarem o desafio!

Com um cruzeiro interessante e boa ergonomia, a TRK 502 cumpriu quase 1.500 quilómetros em quatro dias. Com um consumo médio de 5,5 l/km, a autonomia atinge confortavelmente os 250 quilómetros com um depósito, mas conseguimos mesmo superar a marca dos 300, com a italiana fabricada na China, a concitar olhares de curiosidade por onde passa e justificam o sucesso de vendas que tem alcançado em Portugal, dado a sua estética apelativa alicerçada num competitivo preço de comercialização.

Comments are closed.